Interrompido – Vazio do tamanho de Deus (Episódio 08)

Interrompido – Vazio do tamanho de Deus (Episódio 08)

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Nandinho e os parças partem numa longa viagem, onde rola zoeiras, intrigas e muito calor, mas após horas de estrada eles chegaram a Belo Horizonte pra curtir a vibe boa que energizava compensando tanto trabalho.

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Mesmo famosinho, Nandinho gostava de transitar entre a galera pra ver o quanto curtiam e se tudo funcionava direitinho; no meio disse era legal ser puxado pra foto ou Stories, daí aproveitava pra fazer os seus que logo ganhavam milhares de visualizações. Entre a alegria a pocar ali, saracoteando feito lacraia uma sensação ruim se aproximou sem ser notada chegando perto suficiente pra lhe dar uma ferroada dolorosa.

Ele só se deu conta de ser picado quando o veneno espalhou e uma sensação péssima o levou do céu ao inferno de si mesmo. A negra percepção costumava ser disparada por diversos gatilhos, como uma prova da facu ou a preocupação com a próxima rave, e intensificou fazendo-o se perder nos pensamentos até ficar sem reação.

A ostentação e popularidade de Nandinho, emanavam uma felicidade constantemente compartilhada nas redes sociais, onde seguidores se amontoavam pra curtir e acompanhar tudo que era postado, mas os momentos publicados serviam pra mascarar uma vida corrida, desgastante e cheia de trampo.

“É difícil manter o coração aquecido quando tudo a volta perdeu cor, sentido, destoou.”

Toda alegria e descontração vista faziam passar batido a ralação pra manter empolgante tudo aquilo, além de conectar a geral a uma experiência exclusiva que continuava gerando interesse. Uma das formas de garantir lotação estava no valor da entrada, existiam três faixas de preço todos em conta, incluindo as com consumação, que permitiam ganhar na quantidade; além de ter ingressos gratuitos pra quem fosse rápido botando nome na lista, e chegasse até às duas da manhã.

O momento exato em que deixou de se apropriar de si mesmo sendo tomado pela sensação obscura ocorrera a tempo suficiente dele nem lembrar quando aconteceu. Pensamentos sussurravam o tamanho de sua solidão, lembrando: na real os pais não o amavam e ninguém conseguiria fazer isso na medida em que precisava, que ele acabaria só – é difícil manter o coração aquecido quando tudo a volta perdeu cor, sentido, destoou.

Independentemente do que desencocava aquilo, o vazio se aprofundava até se tornar físico, abrindo um buraco negro que consumia o peito em dor, sugando seus sentimentos bons e a luz que nele havia. Daí a energia convergia unicamente pro cérebro, deixando o corpo lento e os reflexos enfraquecidos; o que era bem desagradável, mas ele sabia como dar jeito, ou como contornar a situação. Algo descoberto aos doze, quando começou a frequentar os bailes perto de onde morava.

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Com o coração enlouquecido, saiu a caça de Lucas, se arrastando por uma multidão eriçada que sem motivo algum pra pressa nem notou seu estado de aflição; ao avistar o amigo bastou puxá-lo pra ele fazer uma carreirinha espessa de Key e lhe dar pra cheirar. Adentrando as vias aéreas, o pó chegou aos pulmões e seguiu pela corrente sanguínea até o cérebro, então a calma espalhou desacelerando o coração e botando um sorrisão em na cara; aproveitando a pausa o parça aspirou a parte que lhe cabia.

— Peraí! – Lucas falou próximo ao ouvido do amigo. Quando Nandinho o olhou, ele passou a mão em seu nariz retirando o pó que ficara grudado. – Pra garantir que a noite seja inesquecível! – E deslizou um saquinho pra sua mão.

— Valeu, pai! – Nandinho abraçou o amigo que logo se escafedeu pela galera.

“O corpo a gente transforma, o espírito se enobrece e o coração dispara a cada momento de prazer.”

Na semana, Lucas trampar pouco, a parte dele consistia em verificar a quantidade de insumos e solicitar abastecimento aos fornecedores, por isso ajudava na divulgação. O máximo que fazia era cozinhar os vidros de Key algo que geral queria ajudar pra rapar as sobras, depois era pesar e empacotar a mercadoria.

Já nos dias de rave, era difícil parar, fornecendo a viagem da galera em off. Mesmo contando com distribuidores a procura era grande o que elevava os preços, ainda mais com uma mercadoria de qualidade. Antes de sua chegada não se encontrava mais coisa boa e o que tinha em BH não dava onda nenhuma, então o sucesso foi imediato.

Mais leve, Nandinho voltou a observar a galera se divertir, visão gostosa aquela, ainda mais por saber que era responsável por proporcionar momentos assim. Melhor que ninguém, ele conhecia o lado obscuro da vida, sabia o que era viver numa corda bamba, tentando equilibrar emoções, enquanto os sentimentos afloravam, ameaçando implodir e levar tudo abismo abaixo consigo.

Se conhecesse Pascal concordaria que “há um vazio do tamanho de D-s no coração do ser humano”, como nunca ouviu falar do cara, sabia apenas da imensa necessidade de busca em si [Eclesiastes 3.11] precisando ser suprida, aí descobriu as drogas. Num mundo onde existe tanta coisa ruim [João 16.33], como ganância, inveja e tristeza, possuir uma válvula de escape se faz necessário; os entorpecentes eram o jeito rápido de dar um cala-boca em tudo aquilo e curtir a vida [Provérbios 14.12]

A real é que geral ali estava tão ou mais perdida que ele a buscar um jeito de ser menos estranha pra si mesma, apenas sentir algo, de alguma forma fazer a diferença sem importar como isso pudesse ocorrer [Romanos 12.2]. Todos buscavam curtir ao máximo, ele e os amigos também, até porque era humanamente impossível dançar por horas sem ajuda pra manter a disposição.

Sendo pro bem de todos e felicidade geral da nação, por que não proporcionar uma diversão completa? Até porque as mercadorias proporcionavam os maiores ganhos, os melhores dividendos ficavam pro trio que arrecadava uma grana monstro a cada rave. O problema é que a bufunfa escoava tão rápido quanto vinha [Provérbios 13.11], fazendo Nandinho reavaliar a verdadeira métrica do sucesso.

“Importante não é a quantidade de momentos prazerosos, mas saber que nas adversidades não estamos só.”

Com a brisa boa que espantou a letargia a puxá-lo pra baixo, Nandinho relaxou a ponto de flutuar com a música até se tornar parte de uma onda sonora que vibrava prazer, aí tomou a bala. Quando começou, meia bastava, agora precisava de uma e meia, isso porque sabia usar, mas conhecia quem exagerara tanto que precisou apelar pra coisas mais pesadas, alguns dos quais acabavam fazendo viagem sem volta.

O máximo que tivera foi bad trippy por causa bala ruim. Em segundos as vistas enturveceram, a energia esvaiu e enquanto uma tristeza densa se apossava de si a morte lhe espremeu o coração, ele caiu no buraco onde viu coisas das quais ninguém mais tinha ciência. Depois disso pegou costume de lamber a bala e esperar meia hora, caso a onda fosse boa e não desse reação alérgica, usava – até conhecer Lucas, daí não teve mais necessidade disso, os produtos do parça eram de primeira.

Nandinho só ia balinha na rave, mas conhecia quem usou no pagode; o segredo era não misturar brisa, assim aproveitava até a onda passar, daí, dependendo do momento, ia de Calvin, Space, Michael Douglas, Tina, Gina ou lança. Só não dava pra ficar sem nada, se não a rave perdia a graça [Jeremias 17.9] – a única coisa que não curtia era poppers porque a onda passava rápido, já Tiago era fissurado no incenso líquido.

O erro da galera é ignorar que entorpecente não produz bem-estar ou euforia, apenas força o cérebro a liberar os neurotransmissores responsáveis por essas sensações, daí que quem exagera faz o estoque esgotar, por isso, além de praticar musculação e aeróbio, ele tinha uma alimentação balanceada pra ajudar na reposição, garantindo uma onda prazerosa sem precisar abusar de nada – afinal, o corpo a gente transforma, o espírito se enobrece e o coração dispara a cada momento de prazer.

Lucas dizia que só não se diverte quem ainda não encontrou a onda certa, Nandinho concordava total [Romanos 1.28], balinha o deixava elétrico – tinha doce, mas esse era alucinógena demais, da vez que usou viu bicho mesmo depois da balada. O problema é que no dia posterior batia uma bad chata contornada com Key ou dando uns tragos na Mary Jane [Salmos 42.7] – o Narguilé era mais pra fazer média.

“É através de boas experiências que se modela e introjeta hábitos e crenças.”

Por mais que fazer a colocação permitisse dissipar a dor, proporcionando alívio e prazer imediatos, aquilo durava até a má gestão das emoções acentuar o vazio novamente, principalmente quando se pegava a toa, por isso procurava se manter ocupado, assim, sempre precisava de mais doses [Romanos 6.16]. Em momentos de lucidez ele se questionava qual o parâmetro usado pra medir a felicidade e que métricas determinam sua constância, duração e profundidade?

Mais que prazer, Nandinho queria é deixar expulsar o vazio abismal dentro de si, ele trocaria tudo pra dissipar a solidão a incomodar mesmo rodeado de gente legal – importante não é a quantidade de momentos prazerosos, mas saber que nas adversidades não estamos só [João 14.23].

Afastado dali, num ponto mais elevado, Tiago, Dani, outros amigos e alguns felizardos curtiam a área VIP. Toda rave participantes, dentre os mais frequentes, eram escolhidos pra desfrutar do lugar que, além de espaço de descanso, contava com consumação livre, de bebida e comida – esse era mais um dos atrativos pra fidelizar a galera, afinal, por meio de boas experiências se modelam e introjetam hábitos e crenças.

Por mais que os sortudos aproveitassem, Dani era o mais empolgado, essa era a primeira balada da qual participava, então tinha razão de sobras pra estar deslumbrado. Com uma população composta majoritariamente de aposentados, a cidade de onde veio era um sossego só – o pai só a descobriu devido um amigo que o convidou pra cuidar de sua fazenda, assim largou tudo, emprego, casa, parentes se mudando com a família pra lá.

Sem ter o que opinar, Dani foi morar em outro estado, mas gostou da mudança, lá havia riacho pra pescar, cachoeira, uma pá de bichos e diversas frutas. Mesmo quando ajudava os pais, ainda sobrava tempo pra curtir e correr livre pelo terreno que parecia sem fim, diferente do centro de onde antes viva, ali o tempo ali passava devagar pra aproveitar a paisagem, pintada de verde e salpicada de árvores frondosas.

“Quando sua essência é maior que suas necessidades, nem a influência dos queridos é capaz de te corromper.”

Toda quietude e isolamento social – o centro comercial ficava a léguas dali – deixavam Nandinho inquieto e frustrado. Acostumado a viver solto pela cidade, frequentando bailes, acabava se entediando com a calmaria, sendo o oposto do primo sossegado e caseiro. Dani suspeitava que se os dois não tivessem sido criados juntos, talvez ele nem lhe desse moral.

Mesmo reclamando, todo final de semana lá estava Nandinho, como a cidade de ambos eram próximas, dava pra ver direto o primo, com quem tinha uma amizade fraternal [Provérbios 18.24]. Toda vez que aparecia, ao cair da noite, o convidava pra escapar pros bailes e com medo de ser descoberto Dani recusava até o primo partir de vez.

Separados por muitas milhas, mantiveram contato, ainda assim, quando Nandinho lhe enviou a passagem de avião pra São Paulo, Dani desacreditou, ele achara que o primo estava brincado quando, pouco antes de partir, disse que o levaria também.

Logo que chegou, estava empolgado por não precisar mais se preocupar com o que os pais podiam achar, queria é aproveitar tudo que antes não deu, ainda mais porque o primo vivia contando coisas legais das raves, mas Nandinho disse pra esperar se acostumar a rotina da casa – nisso passou um mês.

Apesar dos garotos trampar pakas, dava pra se divertir, não haviam regras, ele podia dormir e acordar tarde, comer o tanto de besteira que quisesse, passar o dia todo na piscina ou jogando videogame. Logo, Dani se sentiu em casa, difícil seria não se acostumar rápido a um vidão desses.

A única coisa que não aproveitou foi o tal do Key, e outras coisas que os garotos viviam usando, mesmo dizendo o quanto relaxavam. Pra ajudar, até aprendeu a cozinhar o produto, bastava despejar o líquido num prato, cobrir com outro, pra não vazar, e botar uns quatro minutos no micro-ondas. Ainda assim não teve curiosidade de provar, ele era sossegado demais pra usar aquilo – quando sua essência é maior que suas necessidades, nem a influência dos queridos é capaz de te corromper.

O som, num volume que vibrava cada parte do corpo, fez Dani arrepiar todo. Ele vira alguns vídeos no canal da rave e achou louco demais, mas ao vivo a sensação era melhor da que Nandinho dissera; sem falar que o lugar estava lotado de gente linda, tanto que ele nem sabia pra onde olhar.

Garoto sem jeito

Vendo-o sem jeito, Tiago se aproximou, lhe disse pra relaxar e tirar a camiseta, porque seria melhor. Dani falou que não precisava, quando o amigo insistiu percebeu que ele estava encabulado.

— Por que cê tá com vergonha? – Tiago ergueu a sobrancelha.

— É que sou mó magrelo. – Dani ficou sem jeito.

— Deixa ver! – E foi levantando a camiseta do novinho.

— Ah! Para, novinho, todo trincado você!

— Tô é magrelo demais! – Dani puxou a camiseta pra baixo, com a bochecha ardendo.

— Para de ser bobo, com um shape desses, vai ser sucesso! – E piscou puxando a camiseta novamente, ainda que estivesse embaraçado, Dani acabou por ceder.

https://open.spotify.com/track/6l0V16QQJfI5sC2sPm5G0x?si=c0182c60244d44ee

Encantado com a vibe, as músicas, o show de luzes e a galera na ferveção, Dani levou um tempo pra perceber que não sabia dançar, como Lucas e Nandinho estavam longe, tentou copiar Tiago e seu ótimo gingado, o problema é que o garoto não parava, feito pipoca pulava de um lado pro outro, atracado com alguém.

A área VIP estava bem frequentada, mas sendo tímido e sem conhecer ninguém, ficou deslocado. Foi quando lhe passaram uma latinha de referi, no calor que estava o impulso foi levar o recipiente a boca e dar maior golada. Quando o líquido lhe tocou a boca a sensação foi ruim, ainda assim, tentou engolir, mas quando a garganta queimou, cuspiu o resto daquilo.


#proximoepisodio

Se Dani escapa de uma roubada, inocente, acaba confiando a sanidade na mão dos outros e dá ruim feio, molhando o rolê da geral. Cheio de culpa Nandinho se manda mais cedo que o planejado, arrastando consigo os amigos.

Conheça a história com acontecimentos inéditos e um episódio extra!

Ósculos e amplexos,

mishael mendes sign, assinatura
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