Mais uma dança ao redor do Sol, e enquanto ela encaminhava pra se completar nem me dei conta do quanto tinha a dizer, até postar uma foto comemorando meu níver. A real é que na correria diária com prazos apertados, tanto o que fazer e consumir, a gente acaba sendo empurrado pra próxima etapa e vive um dia após o outro, sem parar pra refletir nas mudanças alcançadas até esse momento – que costumamos receber de presente.
O detalhe nessa crônica é que ela já devia ter sido escrita e publicada – meu aniversário foi trinta de março – mas com outras coisas pra fazer ela acabou ficando rascunhada, enquanto era empurrada com a barriga; o que não é prioridade, deixa de importar. Mas mesmo perdendo o tempo hábil, propício ou oportuno pra isso – que é o que significa timing, ou o tempo cronos – ainda resta o melhor momento ou tempo certo – chamado kairós.
Nem tudo se trata de cumprir um prazo, mas de criar o melhor momento, conforme Steve Jobs introduziu na cultura da Apple, o importante não é ser o primeiro a fazer, é entregar a melhor experiência. O fato da empresa ser a mais valiosa do mundo, estimada em 2,7 trilhões de dólares, prova que ele tinha razão. Essas palavras são suficientes pra inspirar? Sim, são suficientes pra inspirar, mas apenas um fragmento da complexidade que sou – por isso a gente não deve se deixar levar pelo brilho e a cor da grama do vizinho. Um dos motivos na demora também foi causado pela fuga, já que a tarefa me obriga a encarar pensamentos-morcegos – como os que atormentavam Luan, em “Interrompido – A curva no vale da sombra e da morte“. E a coisa fica mais difícil quando me vejo forçado a assumir responsabilidades que nunca pareço pronto a enfrentar, ainda mais porque escrever é assumir um compromisso público registrado.
A escrita sempre me serviu de terapia, uma catarse pra minha mente inundada de pensamentos e ideias criativas que explodem em cores exigindo vir a realidade, assim, quando tudo fica difícil, teço mundos que carregam de mim um rio a correr sem fim. Preciso escrever pra lembrar e ser, pra significar minha vida. Essa melhora de técnica e expressão veio mesmo com o tempo – os textos que antes pensava saber fazer agora incomodam, embora sirvam pra fornecer adubo pros temas ramificarem.
Ao passo que existe o desejo de falar ante as possibilidades que luzem em mim, momentos bons vividos, conquistas e gratidão, também há temor pelas incertezas e o que ainda concreto não se fez. Assim, enquanto tenho prazer na escrita, ela me é pesada.
Escrever é um mergulho na alma que me força a encarar um presente longe do imaginado e um passado nebuloso que custo a recuperar trechos. Ambos os períodos acabam por causar receio pelo futuro, fazendo eu evitar em me responsabilizar. E ainda que a tarefa seja custosa, cá estou a fazê-la.
A última reflexão sobre meu aniversário é de onze anos atrás, e se de um ano pro outro acontecem tantas mudanças, quem dirá nesse tempo todo. O garoto registrado ali era um sonhador crônico com miopia pra enxergar a maldade ao redor e com o tempo foi se tornando um pessimista calejado, embora ainda busque se agarrar com o máximo de forças as sombras dos castelos construídos em sonhos que a vida levou.
Porém, olhando além de toda distorção da perspectiva, há muito o que ser celebrado e pelo qual agradecer. Mesmo com erros, falhas e pessimismo, porque a cada passo, ainda que descompassado, nosso ritmo vibra harmonia e poesia, produzindo um som que dança pela eternidade – se até mesmo uma atividade sísmica pode gerar música, quanto mais nossos movimentos produzir canções? O problema é que essas melodias não são ouvidas nessa dimensão e nem sempre a gente percebe a beleza gerada por cada nota e deslocamento.
Durante anos a sombra da morte me atormentou – como compartilhei nesse vídeo – a ponto de diversas vezes eu pensar em acabar com tudo, principalmente com a dor e aqueles sentimentos em conflito a inundar uma alma afogada na sensibilidade. Tanta coisa boa eu teria deixado de viver se tivesse desistido dessa oportunidade que D-s proporcionou; como desfrutar minha sobrinha e experenciar as maravilhas dessa vida aqui. É que mesmo cercado de sorrisos e amor, às vezes a solidão sufoca, lembrando as palavras de Augusto dos anjos, que numa intimidade cruel diz não existir amor: os gestos de carícia apenas precedem a falsidade e o desprezo; dificultando de me conectar. Mas, pra que aceitar o peso da solidão, quando nem mesmo formigas com sua força sobre-humana suportariam tal fardo?
Travando uma guerra entre a morte e a vida, em batalhas que ninguém me viu lutar aqui, um plot twist – reviravolta pra quem curte novela mexicana – demonstrou o poder das histórias ao começar a espanar as cinzas fúnebres que cobriam minha mente. Isso, após um episódio do Bleach trazer o entendimento que apagar minha existência não pouparia ninguém de peso algum, apenas traria uma dor cuja violência jamais poderia ser anulada, deixando um vazio e fardo aos quais quem me ama não merece carregar. Uma vez que existimos, não há como desfazer os elos criados, deixando restar apenas o compromisso de seguir esculpindo a melhor versão de nós pra além de nossa estrutura.
É preciso confiar que a tempestade nos olhos, a revelar uma atmosfera de terror, não é definitiva. Essa dor a escorrer quente no rosto vai secar quando a manhã sorrir esperança [Salmos 30.5] e que um dia a luz vai invadir toda escuridão, desfazendo a transitoriedade de nossa vida, onde tudo será diferente e sem resquícios de maldade ou perda. Novos dias são chances de poesificar a vida, reescrever as escolhas; extrair acordes dos momentos e música dos meses pra formar uma sinfonia que a cada ano canta não apenas de nós, mas do amor que dura pra sempre [Salmos 136.1].
Essa poderia ser uma carta aberta sobre o suicídio, descrevendo como as cores da morte podem sombrear mesmo o ser humano com maior quantidade de luz, mas esse aprofundamento não ajuda quem abriga abismos, e quem já passou pelo vale da sombra da morte busca distância – como os cristãos dos primórdios evitavam o símbolo da cruz, por lhes recordar a intensidade de uma dor próxima, preferindo usar o peixe pra se identificar. Quanto a quem não teve a experiência, no máximo fica horrorizado. Então, ao invés de romantizar algo massacrante, como fez a Netflix em “13 Reasons Why“, prefiro transformar isso aqui numa carta aberta sobre a gratidão pela vida. Não porque minha caminhada alcançou o horizonte onde as flores formam um mar que embeleza e perfuma os sentidos, ainda surgem das esquinas e cantos mais sombrios da minha mente monstros, cuja presença é suficiente pra congelar, os quais preciso cortar a cabeça pra manter a sanidade, só que alguns são mulas sem cabeça, ainda assim ótimos em perseguir.
Dificuldades fazem parte desta vida, achar ser possível viver sorrindo é besteira – já falei sobre isso por aqui. Mesmo um dia forrado de nuvens negras, a soltar raios pra todo lado, tem data pra expirar, assim como cada coisa tem a sua duração determinada [Eclesiastes 3.1-8]. Tragédias, momentos ruins e decepções não vão durar pra sempre, apenas a mudança é permanente, como destacou Heráclito, o que sempre traz novas oportunidades e um cenário diferente. Da mesma forma que a alegria é temporária, momentos ruins são passageiros, até mesmo o que é sólido se desfaz no tempo.
Persistir na vida traz conexão e mudança de perspectiva. Em meu caso, cada dia vivido é um motivo a mais de gratidão por provar a fidelidade de D-s, e razão pra celebrar por minhas piores expectativas serem contrariadas. Também é mais um passo no compasso da vida que leva em direção a outra dança que traz mais luz a cada coreografia concluída.
Assim, sou grato ao Eterno pelo meu início na eternidade, onde tenho experimentado todas as reviravoltas da vida, porque mesmo quando o fim sinaliza não haver alternativa vem um plot twist e mais outro, e outro, mostrando a delícia que é viver. Agradeço ao cuidado desse Pai, presente mesmo na dor, que as nóias e visão turva impedem de ver. Também me é motivo de gratidão fazer parte de uma família que me rega com amor, bem como os passantes em minha vida e aos que resolvem ficar. Enfim, poder respirar mais esse instante que acrescenta um ano mais em minha existência, cujo som ecoa da, e pra eternidade.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.