Articulário: Carregando os momentos de propósito
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Carregando os momentos de propósito

“Quando a gente encontra a razão de nossa existência e vive por isso, a vida fica leve e mais bela. Mesmo nos dias maus.”

Mishael Mendes, Interrompido – A curva no vale da sombra da morte

Paixões perigosas

A paixão nos move, faz a gente levantar diariamente com disposição pra viver e buscar nossos ideais, e quanto mais fazemos o que nos dá prazer, esse impulso aumenta – como vimos por aqui. Assim, fazer as coisas com paixão dá energia suficiente pra continuar caminhando em direção ao nosso objetivo. Apesar de sua intensidade, essa força é instável e depende da disposição que a alimenta e é por ela alimentada, exigindo sempre muito esforço pra continuar queimando e ter sua duração estendida.

O problema em se deixar guiar apenas pela excitação que nos enche de entusiasmo é que ela leva a uma busca solitária, como explicam Chip e Dan Heath, em “O poder dos momentos” (“The Power Of Moments“, de 2017), “paixão é individualista; ela pode energizar, mas também isola porque minha paixão não é sua”; ser guiado por ela pode levar em uma direção que nos afasta das demais pessoas e até de quem amamos, criando separação. Sua força criadora contém a mesma carga de destruição, como podemos ver em “João, o Maestro”, de 2017, que relata a vida de um maestro brasileiro, de fama internacional, que apesar da genialidade, sua obsessão pela música o levou a fracassar em seu relacionamento com a família e amigos, até renegar a própria saúde enquanto persistia, ainda que a música desistisse dele.

Fazendo de propósito

Desde que nossos pais – e protótipos da humanidade – decidiram optar por um ganho egoísta [Gênesis 3.1-6], temos buscado viver nossos desejos e vontades como se isso pudesse fazer alcançar a grandeza. Ainda que se obtenha sucesso e reconhecimento, a paixão leva ao descontrole [1 Tessalonicenses 4.4-5], estando no mesmo nível destrutivo da ganância [Colossenses 3.5] – como foi aprofundado nesse artigo. É preciso que essa intensidade seja guiada por uma busca com profundidade, capaz de conceder uma força inesgotável que nos faz sorrir mesmo na tristeza: o propósito. Em seus estudos, Morten Hansen, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, descobriu que mesmo com um alto nível de excitação, pessoas apaixonadas pelo trabalho ainda podem ser “artistas pobres” se não possuírem um propósito; que leva a um desempenho melhor.

Os irmãos Heath, concordam que “um senso de propósito parece desencadear comportamentos ‘acima e além'”, por ser “algo que as pessoas podem compartilhar”, o propósito une objetivos e faz indivíduos com diferentes características darem as mãos pra seguir numa só direção, porque libera nossa consciência pra enxergar estarmos conectados no mesmo destino – conforme abordado aqui – ao invés de cada um seguir nas direções propostas pelos desejos. Afinal, a paixão nos impulsiona a buscar algo pra nós, enquanto o propósito nos leva a fazer pelo outro, tornando o todo, mais que a soma de suas partes, também nos fazendo mais fortes.

Achados e perdidos

Segundo um estudo publicado no jornal Psychosomatic Medicine (em livre pt-BR: “Medicina Psicossomática”), um maior senso de propósito reduz a incidência de doenças cardiovasculares e a mortalidade. E, conforme um estudo recente da Universidade da Pensilvânia, também faz as pessoas experimentarem menos solidão e ter um estilo de vida mais saudável. Sua clareza pode ser benéfica até pra empresas, proporcionando crescimento, maior expansão global, mais lançamentos de produtos e sucesso nos esforços de transformação. Ainda, segundo estudos da Universidade Northwestern, o trabalho se torna mais significativo pros funcionários – que ficam mais felizes e produtivos. Se esse senso era importante antes, na pandemia seu sentido foi ampliado, porque sua turbulência e o isolamento exigiram buscar o que realmente importa pra nós.

A descoberta do propósito reduz o estresse, aumenta o nível de satisfação e simplifica decisões nos fazendo priorizar o que realmente importa, pra vivermos ao máximo. A história está cheia de pessoas que fizeram a diferença, ao viver seu propósito, como Madre Teresa que se dispôs a servir os pobres; Martin Luther King que lutou pela justiça e igualdade pra todos; a princesa Diana que se dedicou a caridade, especialmente aos envolvidos com AIDS, minas terrestres, famílias de prisioneiros e aos cuidados paliativos; Desmond Tutu, ganhador do Nobel da Paz, que se empenhou na luta contra o apartheid e ao combate à AIDS na África; até Audrey Hepburn, que após se aposentar, usou sua influência pra amparar projetos da UNICEF na África e em outros países.

Bicho de sete cabeças

Com exemplos desse porte e tendo em conta a importância do propósito, pode parecer que vivê-lo é algo complicado de alcançar no dia a dia, como se fosse um bicho de sete cabeças – expressão essa usada pra algo complicado de resolver. Surgida da mitologia grega, ela se refere a hidra, uma serpente imensa de sete, ou nove, cabeças que habitava a região pantanosa de Lerna, além de perigosa, era difícil de ser morta; quando se cortava uma de suas cabeças, outra nascia no lugar. Até o Hércules dos romanos – Héracles pros gregos – acabar com a farra e derrotar o monstro, queimando cada cabeça decepada.

Segundo uma matéria da Forbes, existem quatro pontos a considerar sobre o propósito: defini-lo com clareza; o manter fresco na mente, seja com a ajuda de metas ou notas que lembrem de sua importância; fazendo escolhas que permitam ir em sua direção; então avaliar a evolução e se readaptar pra se manter nesse rumo, conforme as mudanças forem acontecendo. Manter o propósito vivo em nós, o permitindo encher a mente, traz esperança [Lamentações 3.21-22], nos mantendo alinhados com o que importa na real – e sem atentar pras condições lá fora e até em casa, continuamos a prosseguir. Isso impulsiona a continuar com as escolhas certas que levam as ações necessárias, trazendo felicidade e “a sensação de contribuir pros outros, que seu trabalho tem um significado mais amplo”, conforme afirmou Hansen.

O senso de profundidade

Apesar da importância dos sonhos e desejos em nos motivar, o propósito vai além disso. Pra encontrá-lo, é preciso fazer um questionamento profundo, sobre quem somos, o que temos feito da vida, sobre nossa carreira, preferências e o que se move em nós – num mergulho que leva ao autoconhecimento e ao confronto. Apesar do exercício ser esclarecedor, também pode assustar por nos fazer ver coisas das quais não gostamos, nem nos orgulhamos e até causar desorientação por nos vermos distantes do que gostaríamos. Ainda assim é importante fazer isso, porque pra liberar o poder do propósito – que alcança onde o potencial e os sentimentos se encontram, fazendo arder o peito – é preciso compreender nossas motivações e reajustá-las, se for o caso, pra uma vida com mais significado.

Propósito, vem do latim propositum, “declarar, colocar à frente, expor à vista”, surgindo de proponere, formado por pro, “à frente” e ponere, “colocar, pôr”; ou seja, não é sobre algo que se descobre aleatoriamente, mas que cultivamos, como destacou a professora da Universidade de Yale, Amy Wrzesniewski. Mais que um objetivo a ser alcançado por metas, é sobre prioridades; é a matéria que envolve tudo o que fazemos, carregando os momentos de propósito pra ser gerada uma energia extra que nos faz continuar, sem importar a distância necessária a ser percorrida.

Em busca do prêmio

Viver o propósito é mais sobre a aprendizagem no caminho, e como escolhemos percorrer a estrada da vida, que chegar a um ponto fixo num futuro desconhecido – do qual não se tem certeza se será alcançado. É colocar à vista as escolhas feitas, carregando as ações diárias de significado [1 Coríntios 9.24-26], mostrando quem somos. Sendo mais sobre ser que conseguir algo, é o que somos a cada dia, não no que podemos alcançar ou nos transformar. É aquilo que priorizamos, colocando à frente das outras escolhas; se fosse apenas objetivo, não haveriam tantas pessoas bem sucedidas com problemas emocionais. Como o chefe franco-suíço Benoît Violier, cujo restaurante possuía três estrelas Michelin e um mês após ser considerado o melhor do mundo, pela “La Liste”, cometeu suicídio.

Propósito é o chamado na alma que grita a direção a ser seguida, tendo muito a ver com as aptidões – nossos dons – e capacidades imputadas na essência antes mesmo de sermos feitos matéria, e que significam nossa existência, ao mostrarmos sem receio a que viemos. É o sentido de profundidade pelo qual desejamos viver o resto da vida, a se mover em nós cada vez que algo emociona ou provoca a termos uma ação pra melhorar a sociedade, espalhar o bem e praticar o amor. O que não significa ser preciso um gesto grandioso a ponto de mudar o mundo, como encontrar a cura pra AIDS ou provocar a paz mundial; um ato simples, como preparar um caldo, basta pra expressar nosso talento e dedicação – o afeto se revela na simplicidade dos gestos, conforme falado por aqui. Descartando a necessidade de uma preparação, o propósito se cumpre a cada passo dado, estando presente em como enxergamos a vida e nossas ações corriqueiras, do que numa virada de 180º que talvez ocorra após uma vida inteira de dedicação.

Aqui e agora

O propósito pode se revelar sem mesmo a gente perceber ou fazer intencionalmente, apenas por revelar nosso melhor, sendo luz em cada conselho ou palavra de afeto, em cada afago e abraço, porque esses gestos, por mais simples que pareçam, podem impactar o mundo das pessoas. Por isso nunca devemos subestimar o que fazemos pelo outro, nem o que realizamos, ou se nossa dedicação tem feito sentido só por não estarmos em destaque. Antes de Davi se tornar rei, ele passou maior perrengue com a família que tinha vergonha dele, ao invés de se entristecer, colocou seu coração na única tarefa que tinha: cuidar de ovelhas. Enquanto isso, ele compunha versos e poesia sobre o que transbordava em seu coração, e por viver seu propósito mesmo no anonimato, acabou se tornando a maior referência dos reis de Israel e o maior profeta de toda Bíblia, mesmo nem tendo sido consagrado pra isso.

Mostrando um significado mais amplo, em hebraico, propósito é hēphes, “prazer, agradável, deleitoso, aprazível, algo de valor, precioso, desejo, vontade, intento, de boa vontade, de bom grado”, dando o sentido de ser intencional no que fazemos, não tanto num objetivo claro, mas em fazer algo “com vontade, de bom grado, com prazer”, realizando nosso melhor, que atentando ao peso da obrigação em fazer apenas pra bater metas ou ser notado [Colossenses 3.23]. Afinal, existe um tempo correto pra todas as coisas e propósito [Eclesiastes 3.1], a gente não precisa se avexar pra isso. É sonhar pequeno, realizar algo que faz sentido pra gente e nos permita expressar nossas capacidades únicas pra ajudar as pessoas ou nossa comunidade de forma ampla, como disse Dan John, “acredito que é o papel do forte ser forte e proteger os fracos, não se tornar mais forte”.

O poder do hábito

Coisas boas acontecem quando vivemos de forma intencional, mesmo sem a necessidade de muito planejamento, agenda, lista de tarefas e uma planilha pra controlar tudo. Basta colocar à frente nosso valor e dedicação, tornando o viver numa caminhada carregada de realizações que acabará por se tornar contagiosa e inspirar outras pessoas, provocando impacto – ainda que nossa recompensa seja apenas sorrisos e gentileza. Mesmo no momento as coisas não estando tão bem, basta botar um pouco de nós em cada coisa, vivendo com intensidade – como abordado aqui. Pra viver essa transformação diária, impulsionada pela dedicação, se faz necessária a constância, porque é ela quem vai nos moldar, conforme mostra de forma palpável “O poder do hábito” (“The Power of Habit“, de 2012), de Charles Duhigg, com cases de empresas e pessoas que viveram as mudanças tragas por novos hábitos.

Como já foi dito e repetido a exaustão, “somos o que fazemos repetidamente… portanto, excelência não é um ato, mas um hábito”. Apesar da frase ser atribuída a Aristóteles, ela é uma interpretação do escritor Will Durant, o que o filósofo disse mesmo, foi: “as virtudes são formadas no homem ao fazer suas ações”. Ambas as citações expressam a importância do hábito, a original é mais direta ao colocar as virtudes como resultado desse empenho constante. Pra Epiteto, a capacidade se confirma e cresce com nossas ações que nos movem, “portanto, se você quer fazer algo, o torne um hábito”, afinal, é a constância que faz o propósito florescer a cada dia, significando ações e motivando escolhas. Não é sobre abandonar tudo, mas sobre ressignificar a vida e cada coisa feita.

Daqui até a eternidade

O senso de propósito traz mais engajamento no que nos dispomos a fazer, por justificar nosso investimento de tempo e talento ao saber que farão uma contribuição efetiva, como explicam os irmãos Heath, “quando você entende a contribuição final que está fazendo, ela te permite transcender a lista de tarefas”. Mais que isso, viver pelo propósito leva a uma reflexão sobre o real sentido da vida e como nos posicionamos diante dela, despertando pra um significado que ultrapassa realização pessoal, carreira, ambições e os sonhos mais ousados, até mesmo que a felicidade, a paz de espírito e a família, conforme esclarece Rick Warren, em “Uma vida com propósitos – Para que estou na terra?” (“The Purpose Driven Life – What on Earth Am I Here for?“, de 2002).

Esse processo de descoberta inicia em nós nos levando a ansiar algo maior, cuja essência é quem pode inundar a terra, como as águas, o mar [Habacuque 2.14], e trazer mudança real e significativa, dando sentido à todas as coisas e que pode levar a uma aventura por lugares que o ouvido não ouviu, olhos não viram, nem foi tocada pela mente [1 Coríntios 2.9]; fazendo alcançar um plano traçado antes da formação do universo, que vai além do pouco tempo de vida em nossa passagem pela dimensão material. E não seguir nessa direção vertical, pode levar a uma infelicidade extrema – conforme falado por aqui.

O propósito abre a percepção pros olhos enxergarem a cultura de valor entre nós, que apesar de não ser visível, provoca uma revolução ao se manifestar através de nós [Lucas 17.20-21]. Conduzindo numa busca, não por algo que será, mas que já é, nos envolve e se espalha pela sociedade, levando a uma direção que une dons e dedicação ao libertar nossa consciência pra enxergar sermos todos conectados. Por isso a importância em deixar preocupações de lado pra focar no propósito, na cultura de valor e nos responsabilizar com seus interesses [Mateus 6.33], não os nossos, ao ampliar e propagar a justiça a quem precisa, também em exercer a fé com ações, não de uma crença morta e ineficaz que prefere condenar ao invés de amar [Mateus 23.15].

Contextualizando

A frase que originou essa reflexão faz parte de “Interrompido – A curva no vale da sombra da morte“, uma minissérie que mostra que nossa humanidade é que nos leva a viver os desejos mais profundos e a cometer os erros mais insanos. Ela surge após Socorro retornar de uma semana de descanso, que a fez querer voltar logo mesmo o serviço sendo cansativo, é que viver seu propósito lhe dá prazer ao desempenhar suas funções.

Artigo publicado originalmente no LinkedIn, também está disponível no Medium.


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