“Nem sempre a gente recebe o que precisa de quem ama, e isso não reduz em nada a ligação que existe entre nós e a pessoa.”
Mishael Mendes, Interrompido – A curva no vale da sombra da morte
Pega a visão
Por não possuírem a complexidade de organismos animais, plantas conseguem se regenerar e até gerar outra vida quando amputadas, e mesmo com a raiz ressecada renascem ao cheiro das águas [Jó 14.7-9]. Produzindo a própria comida, crescem saudáveis sem qualquer intervenção, tudo de que precisam é sol, sombra e água fresca – os nutrientes necessários são fornecidos pela terra e os fungos. Resistentes, conseguem sobreviver a radiação e caso uma floresta seja destruída, sua diversidade é capaz de retornar em algumas décadas – podem até ser tecnológicas, como abordei em “Árvores que possuem corpos“. Se isso não impressionar, Peter Tompkins e Christopher Bird, em “A vida secreta das plantas” (“The Secret Life of Plants“, de 1976), reuniu uma série de pesquisas revelando que elas podem se comunicar a distância e até ter sentimentos.
Mais que isso, elas fazem escolhas conscientes, ao invés de apenas se adaptar a evolução, criando uma consciência vegetal que lhes permite aprender, tomar decisões e até planejar, como mostra Paco Calvo e Natalie Lawrence em “Planta Sapiens – Unmasking Plant Intelligence” (em livre pt-BR: “Planta Sapiens – Mandando a real sobre a inteligência das plantas”, de 2022). Se sozinhas são capazes de coisas incríveis, lhes dedicar atenção, como uma conversa, as afeta, acelerando seu crescimento. Em entrevista ao The Guardian, a Dra. Dominique Hes, especialista em biofilia e pesquisadora chefe do Plant Life Balance da Horticulture Innovation Australia, afirmou que a vibração de nossa voz “melhora a comunicação e a fotossíntese, favorecendo o crescimento e a capacidade de combater infecções”, além de nos permitir perceber suas reais necessidades.
As rosas não falam
Como eternizou Cartola em “As rosas não falam”, composição de 1974 – surgida após a esposa lhe questionar como havia desabrochado tantos botões – as rosas e nenhuma outra planta sabe falar – pelo menos de uma forma que a gente compreenda – apesar disso, elas ensinam muito sobre a importância do afeto. Como podemos experenciar na poética história narrada em “O Pequeno Príncipe” (“Le Petit Prince“, de 1943), nela, vemos o relacionamento de um garotinho e sua flor que os afeta e os transforma a medida que cresce e cria raízes. O simples fato de estar presente e dar atenção as plantas, acaba por ser favorável não apenas pra felicidade delas; a prática da jardinagem pode nos trazer efeitos benéficos, como a melhora do humor, aprimoramento do foco e a redução dos níveis de estresse – explicando o aumento na procura dessas companheiras durante o isolamento social.
E se o afeto pode impactar plantas num estado profundo, quanto mais quando é direcionado a um ser humano. O afeto é tão “primitivo” que sua necessidade existe até entre os animais. Diferente do desapego propagado por aí – como falado aqui – como seres sociais precisamos de contato que solidifica nosso desejo de compatibilidade com outra pessoa, seja no nível familiar, de amizade ou amoroso. Sua prática alimenta as emoções e fortalece ao fazer experimentar um pertencimento que nos identifica, traz segurança e provoca felicidade ao mostrar sermos queridos.
Artéria emocional da felicidade
Dar, assim como receber carinho, torna um relacionamento mais estável, afetuoso e com maior senso de harmonia, amor e compreensão; além de reduzir a quantidade de estresse. Um simples abraço pode ser transformador, e manter essa junção de corpos e corações por mais de trinta segundos libera ocitocina suficiente pra promover sensações de conexão e relaxamento, assim como dar as mãos (1,2,3) – o contato físico é importante pra aumentar o nível de felicidade incentivando o vínculo, como foi abordado por aqui. Além de diminuir a pressão arterial e estabilizar o humor, expressar carinho e gratidão aumenta a satisfação do relacionamento, ao fortalecer o compromisso e o apreço da pessoa por nós; permitindo entender nossos limites emocionais. A gente fica mais amoroso e gentil com os outros, consequentemente mais feliz e com facilidade em obter algo, como disse Esopo “a gentileza é mais persuasiva que a força”.
A culpa é das estrelas
Desde o primeiro erro da humanidade [Gênesis 3.9-13], adquirimos a mania de responsabilizar um terceiro – seja algo ou alguém – pelas nossas falhas e problemas. Quando nossa necessidade de afeto não é suprida, surge um vazio emocional de onde brotam dúvidas de sermos ou não amados de verdade. Mas a real é que a falta de afeto necessariamente não significa falta de amor, e pode envolver uma série de variáveis que nada têm a ver com inexistência de apreciação da pessoa por nós. Embora a culpa não seja das estrelas ou do PT, a falta de afeto pode ter a ver com a criação, afinal, viver num ambiente sem afeto ou onde o apego é inseguro, dificulta de entender e até oferecê-lo a alguém. Também pode se dar porque a pessoa possui um nível baixo de necessidade de dar e receber afeto, afinal, os níveis de apego diferem pra cada um, sendo moldados por nossos pais. Se a pessoa for introvertida, demonstrações de afeto podem ser difíceis a ponto de deixá-la desconfortável.
Se coloca no lugar dela por 5 segundos
Talvez a pessoa considere o afeto físico um ato íntimo demais pra demonstrá-lo publicamente ou o evite por achar que fazer isso é sinal de fraqueza. Outra causa crônica é o fato de estar ocupado demais com o serviço e outras atividades, que nos deixa sem tempo ou cansados demais pra demonstrações de carinho; também pode ser causada pela segurança e tranquilidade do relacionamento. Mas a falta também pode ocorrer pelo estresse e a ansiedade ou até por causas mais sérias como problemas emocionais e psicológicos, cuja angústia impossibilita demonstrações de afeto.
Pode ser ainda que a causa não seja resultada por nenhum desses motivos, nem de outras causas internas ou externas, mas da alexithymia – já pode culpar as estrelas agora? Alexithymia é uma condição que impossibilita demostrar emoções e empatia, tornando a pessoa mais racional – traço esse ligado a transtornos do espectro autista.
Explosão, progesterona
Outra causa comum à falta de carinho, ocorre devido à baixa autoestima, onde nossas inseguranças nos fazem reter o afeto pra tentar minimizar o risco de vulnerabilidade e reduzir as chances de rejeição. Porém, um estudo realizado por uma equipe de psicólogos de Nova York e Califórnia, constatou que mesmo um elogio menos afetuoso, feito por pessoas com baixa autoestima a seus parceiros, os fez reagir de forma tão positiva quanto os que receberam elogios de parceiros com alta autoestima.
Inclusive o ato fez seus níveis de progesterona – o hormônio responsável por aumentar a libido e preparar o corpo pro sexo, que aumenta com o afeto – ser liberada numa quantidade superior neles que nos outros; mesmo a insegurança de seus parceiros os fazendo achar que o elogio feito era artificial. Dessa forma, o resultado mostrou que dar afeto pode ser tão importante quanto receber, onde o processo pode ser emocionalmente libertador pra quem o faz.
Um ato de escolha
Assim como temos diferentes necessidades de apego, a forma de demonstrar amor e carinho pode divergir, conforme alerta o Dr. Gary Chapman, em “As 5 linguagens do amor” (“The 5 Love Languages“, de 1992). Existem diferentes maneiras de receber e dar afeto, não apenas um jeito certo, e se apegar a isso pode fazer a gente não se dar conta da forma da pessoa o fazer. Situações não invalidam o amor que pode surgir de diversas formas. As maneiras de demonstrar afeto podem ser verbais através de elogios e palavras de afirmação; qualidade de tempo passados juntos ao desfrutar de bons momentos; enviando uma mensagem, compartilhando histórias ou demonstrando interesse no que é feito; presenteando com uma lembrança simples, flores ou bancar algo; ao fazer uma comidinha gostosa ou lavando a louça; também através do toque físico que inclui beijos, carícias e abraços.
Como ainda disse Esopo, “um coração grato sempre encontrará oportunidade de mostrar gratidão”, assim, existem formas alternativas e válidas de mostrar o quanto o outro é importante, podendo mudar ou sem intercalar em ordens diferentes, porque cada universo humano opera segundo as próprias leis. Daí, tentar forçar a pessoa a agir de determinado jeito pode acabar por afastá-la de vez e a deixar esquiva, fazendo a gente se sentir não ser amado o suficiente, resultando em carência afetiva. Mais importante que preencher uma tabelinha de necessidades emocionais, é estar atento as formas que o afeto pode ser demonstrado. Ficar preso num ideal apenas gera expectativas desleais e faz a gente secar num deserto, mesmo inundados de amor.
Plante essa ideia
O ideal é entender as necessidades emocionais e psicológicas do outro, a partir daí se adaptar e ajudar no que for preciso; se for o caso fazer correções em conjunto pra mudança acontecer, saudável e de forma natural pra ambos os lados. Segundo Dalai Lama: “os meios pra mudar a mente de uma pessoa sempre será o afeto”. Assim, descobrir a forma da pessoa demonstrar afeto e falar essa linguagem com regularidade pode tornar o relacionamento prazeroso. É preciso amar o outro como a nós mesmos [Mateus 22.37-39, Marcos 12.30-31] e como se não houvesse amanhã; não só esperar que toda necessidade de afeto seja suprida sem esforço algum de nossa parte.
Temos que refletir em como nossa forma de afeto faz a pessoa se sentir e qual o impacto disso pra ela se sentir respeitada e desejada. Isso desenvolve nossa capacidade de nutrir e proteger; também a humildade de agir com reciprocidade. Assim receberemos os benefícios de compartilhar uma parte de nós em instantes de um tempo bom que não volta nunca mais. Se você quiser entender um pouco mais sobre o amor, ele foi tratado com profundidade por aqui.
Contextualizando
A frase que originou essa reflexão faz parte de “Interrompido – A curva no vale da sombra da morte“, uma minissérie que mostra que nossa humanidade é que nos leva a viver os desejos mais profundos e a cometer os erros mais insanos. Ela surge quando Luan aponta que a família se quer o visitou após o acidente, então Socorro o lembra dessa verdade.
Artigo publicado originalmente no LinkedIn, também está disponível no Medium.
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Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.