Articulário: Envolvidos pelas profundezas do amor
Nathan Dumlao/ Unsplash

Envolvidos pelas profundezas do amor

Princípio do amor é amar.

Mishael Mendes [1 João 4.19]

A princesa está em outro castelo

Era uma vez, um reino pacífico onde seus habitantes desfrutavam da felicidade sob um governo justo, até uma maldição lançada por um terrível vilão cair sobre o lugar e a única pessoa capaz de desfazê-la ser raptada e presa. Então um baixinho, folgado e dentuço – opa, a história aqui é outra – resolve fazer o Davi e enfrentar o vilão sem se importar com o tamanho e poderes dele pra resgatar a princesa – como um bom conto de fadas deve ser; embora ele não fosse príncipe ou mesmo encantado, nem tivesse poderes ou tanquinho.

De tanto entrar pelo cano, o carpinteiro acabou se especializando e virou encanador – como registrado no livro “Nos bastidores da Nintendo” (“Super Mario: How Nintendo Conquered America“, de 2011), de Jeff Ryan, onde conta como o herói pançudo salvou a big N. Assim, há quase 40 anos e mais de dez sequências diretas, Mario vem tentando salvar Peach. Se isso não é amor, o que mais pode ser?

E por falar em amor

Muito dos conceitos que temos de amor vão do apego excessivo que beira a perseguição, como em “Esse cara sou eu”, composta por Roberto Carlos, ou do descompromisso vestido de poliamor, passando pelo mais platônico com coragem de stalkear e ficar secando, não de chegar junto. E pelo mito da alma gêmea propagado por Platão, em “O Banquete” (“Sympósion”, de 380 a.C.), que prega ser preciso se juntar pra ser completo ou alcançar a felicidade – algo discutido na minissérie “Fragrante“, cuja protagonista não acredita na existência do amor ou mesmo do coração.

Não sendo essas ideias suficientes, ainda há a que espera mais receber que dar ou que cobra exigindo: “como vai você, eu preciso saber da sua vida” – apesar de composta pelos irmãos Antonio e Mário Marcos, foi lançada na voz do rei, mandou mal, hein, realeza? Talvez você não esteja mais com a bola toda e devesse passar a vez pra outro rei que manja de bater bola. O fato é que experiências ruins e até a criação alteram nossa percepção do sentido real desse sentimento de dimensões capazes de mudar vidas.

A sete palmos

Vindo do latim amor, o termo era usado originalmente pra designar o sentimento de “gostar de algo ou alguém, afeição, desejo ou preocupação”. E influenciou outras línguas românicas, como o italiano amore e o francês amour. Ligada à terra, a raiz do amor vem do indo-europeu “am”, com o sentido de plantar, semear; também simbolizando a união íntima entre um casal e chegou ao latim como “cuidado, afeto e profundidade”. A mesma base resultou em palavras como amita, “tia”, mater, “mãe”, amare, “amar” e amicus, “amigo”.

Amor é resultado do que se cultivou, assim, se hoje o sentimento floresce em nossa vida, é porque primeiro foi semeado em nós [1 João 4.19]. E cada vez que é plantado em novas almas nos resta a eterna responsabilidade pelo que cativamos, como registrou Antoine de Saint-Exupéry, em “O Pequeno Príncipe” (“Le Petit Prince“, de 1943).

o amor inglês “love” pegou carona no indo-europeu leubh, que significa “cuidado” ou “desejo”, e evoluiu pro latim como lubet, se tornando libet, “libido”. De lá a palavra foi pro germânico e evoluiu chegando em lubo, liube, liebe e lob, com o significado moderno, exceto liube, que passou a ser “alegria”. Que se transformou no inglês antigo lufu* e se distorceu até virar love. Liebe também escapou do alemão, gerando o amor holandês, liefde.

Seu Lewis e seus quatro amores

Enquanto no hebraico a palavra ahava é usada pra definir desde o amor infinito de Deus e o ato de amá-lo de todo o coração, com toda a alma e todas as forças [Deuteronômio 6.5], até os apetites carnais de um glutão preguiçoso. O grego possuía várias palavras pra definir o sentimento, como agapan, “estar satisfeito, saudar com afeição, ter cuidado ou carinho” que gerou ágape, “amor fraterno, caridade” cuja palavra era sinônimo de “banquete”; fileo, “ter afeto”, stergo, “amor entre pais e filhos ou entre soberano e súditos”; eros pro afeto físico e carnal, cuja prática recebia o nome eran.

Pra evitar confusões, filósofos dos tempos de Platão, autores antigos e posteriormente teólogos, preferiram usar ágape pra diferenciar o grau de pureza do amor divino da afeição de philia ou eros. Percebendo também ser necessária uma distinção, em 1960, C.S. Lewis lançou  o livro “Os quatro amores” (“The Four Loves“) onde é abordado o amor, explicando desde sua natureza básica até a mais complexa que passa pelo prazer. Assim ele o dividiu em quatro tipos, conforme seus nomes gregos: storge (στοργη), philia (φιλια), eros (έρως) e ágape (αγαπη).

Sopa de letrinhas

Storge é o amor fraternal, a afeição natural que conecta membros de uma família. Ele existe sem qualquer imposição e resulta do afeto devido à proximidade, sendo o que menos atenta pra merecimento ou ganho, transcendendo preconceitos. Mas é vulnerável porque espera ser correspondido com afeição. Philia se refere a amizade, uma forte ligação entre pessoas que compartilham um interesse ou uma vida comum, sem cunho sexual; mais estreita que o companheirismo, afasta a solidão, mas só existe quando há conexão a partir de interesses mútuos.

Eros, o amor romântico que envolve o desejo, nossos impulsos sexuais e necessidades emocionais. Motivado pela atração sexual é necessário pra procriação da espécie, mas pode ser intenso e cruel, ainda mais se apenas nos apegarmos ao prazer que ele pode proporcionar. Ágape é a palavra que expressa amor no grego moderno, e se refere ao sentimento incondicional, sendo o maior dos amores, sua essência se encontra em D-s, o único que pode conceder tal virtude repleta de caridade, sem a qual “fria e sem razão a vida, então, passaria”, como poetizou João Alexandre em “Essência de Deus”. É aquele amor inconsequente e transbordante [João 3.16], capaz de se doar e que provou sua verdade ao dar a vida por nós [João 15.13].

Se não tiver amor

Costumamos valorizar o pronunciado, com medo que a ausência de uma frase signifique não estar na mesma sintonia ou não ser amado com a mesma intensidade, mas palavras podem esconder mentiras. Existem diferentes formas de amar, bem como de corresponder. Pode ser um sorriso, um carinho ou apenas a companhia – querer estar perto já diz muito – pois se alguém quer estar ao seu lado mesmo sem interesse algum é porque te ama grandão.

Amar tem menos a ver com verbalizar sentimento e mais com cuidado e estar junto; ações dizem mais e com melhor qualidade que palavras podem fazer. Na essência, o amor não precisa de reciprocidade ou motivo algum pra existir, ele é incondicional [Romanos 5.8]. Ama-se porque faz bem, porque o amor afasta o medo [1 João 4.18], apaga as falhas e cobre os erros [1 Pedro 4.8], conseguindo transformar o ser amado.

Da mesma forma descomplicada que surge, é fácil expressá-lo. Só que às vezes a gente se engessa por quem não sabe amar, mas dar amor desprendido nunca prejudica, antes, retê-lo é que não faz bem. Deve-se liberar amor, sem exigir retornos ou algo em troca. Caso não exista reciprocidade, perde quem menos amar, pois, quanto mais damos, mais o amor se torna perfeito e aumenta em poder [1 João 4.16-17].

Nas profundezas do mar

Capaz de exceder desejos e vontades, o maior interesse do amor é o bem-estar do outro, com ações que expressam bondade e paciência. Deseja o bem, até quando as vontades diferem, permitindo a felicidade do outro, ainda que os caminhos se distanciem. No verdadeiro amor não há separação, mesmo longe ficamos a distância do coração. Não existe poder ou lei forte o bastante pra separá-lo, nem a morte e o que vier depois, poder e influências, o presente e o imprevisto futuro, autoridades e mistérios. Nem mesmo o universo pode exercer força suficiente pra afastá-lo.

Sendo nobre, não sente ciúmes, fica supondo coisas, não é convencido ou grosseiro, nem se irrita ou guarda rancor pelas coisas não serem de seu jeito [1 Coríntios 13]. Sua leveza não traz peso algum, ele lança longe todo fardo das cobranças, deixando as coisas suaves, tanto pra quem ama, quanto pra quem é amado, lançando os erros no fundo do oceano [Miquéias 7.18-19]. Pra uma rápida indefinição sobre o amor, você pode ler o poema “Amor definido que em palavras se indefiniu“.

Amor é fogo que arde

Sua alegria surge com a verdade e mesmo algo lhe causando dor segue com a esperança firmada na fé. Infinito continua a crescer, se expandindo pelo espaço-tempo através da eternidade. Quando chega, desfaz barreiras e quebra cadeias, tornando livre; deixa espaço e motivos que despertam o desejo de voltar e permanecer ligado a ele. Uma vez plantado, não sabemos quando irá florir, suas raízes precisam lhe dar profundidade, só então, é possível desfrutar da poesia e sinestesia que seus frutos proporcionam.

Amar não é apenas sobre sentimentos ou palavras, o amor verdadeiro se encontra no cuidado que exige ação [1 João 4.11-21], é marca que nos distingue [João 13.35] a qual exercemos por obediência [João 13.34]. A melhor forma de ensinar é amar mesmo quanto prejudicados pra pessoa ser impactada pelo amor e alcançar a felicidade. Amar quem merece é fácil, mas o que amontoa luz sobre nós é exercer amor mesmo a quem não merece [Provérbios 25.21-22], ao oferecer a outra face [Lamentações 3.30, Lucas 6.29] – o peso de não perdoar é grande demais pra levar, como abordei aqui. E pra experimentar isso tudo, é só se abrir pra recebê-lo, pra que em nós ele faça morada.

A linguagem dos corações

Tudo começa com amor, ele é a base de profundas entregas e buscas que ultrapassam limitações; levando a conquistas improváveis. Ainda que custe a vida, o fato de nos render é o que ressignifica e dá sentido a todas as coisas. A vida seria melhor “se todos vivessem o amor como deus o criou”, já alertava Oficina G3, em “Perfeito amor”.

Sem ele, mesmo com conhecimento profundo, o que falamos não tem efeito, só faz barulho, nem mesmo possuir poder sobre-humano pra mover os montes e alcançar o sobrenatural adianta ou nos torna especiais. Tampouco renunciar a bens ou se sacrificar vale de algo. Sua ausência torna tudo vazio, sem sentido e destitui a vida de valor.

O amor revela a essência, além de dores, traumas e suposições incorretas, porque “só o amor conhece o que é verdade”, como poetizou Renato Russo, em “Monte Castelo”. Ele é a única riqueza que compensa acumular [Mateus 6.21], pois, conhecimento, revelações e até idiomas irão se desfazer um dia, já o amor por ser eterno continuará a existir – como você pode ver em “A supremacia do amor [1 Coríntios 13]“, o poema que empoderou esse artigo.

Artigo publicado originalmente no LinkedIn, também está disponível no Medium.


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Ósculos e amplexos,

Mishael Mendes Assinatura
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