Articulário: Separação não é o mesmo que distância
Thiago Barletta/ Unsplash

Separação não é o mesmo que distância

“Distância não é separação é um até breve com direito a abraço.”

Mishael Mendes [João 16.7]

Ninguém é uma ilha

Culturas diferentes enxergam a importância da conexão social e sua influência em nossas vidas de maneiras distintas. A gente, aqui do ocidente, gosta de pensar sermos ilhas cercadas por outras extensões de terra nas mesmas condições, cada uma na individualidade de seus objetivos e aspirações, sem sofrer influências de quem as rodeiam. Mas estudos realizados com mamíferos – desde roedores até nós – sugerem sermos moldados pelo ambiente e que sofremos ao ter laços ameaçados ou rompidos. Mesmo implicando em fragilidade, a real é: estamos conectados de tal forma que nosso bem-estar depende dos outros. Segundo Steven T. Seagle, “um homem sem contato humano é um homem sem ajuda, esperança e vida”, como descobre tarde demais o velho do conto “Fortaleza da solidão”, do quadrinho autobiográfico “É um pássaro…” (“It’s a Bird…“, de 2004), ilustrado por Teddy Kristiansen – onde Seagle conta como um herói fictício salvou sua vida.

Nascemos pra nos conectar e essa necessidade está inserida em no DNA – como falado aqui – sendo tão forte quanto nossas necessidades básicas de alimento, hidratação e calor. Essa relação de conexão se inicia antes mesmo do nascimento, já que a existência depende da união de duas pessoas que continua entre o feto e sua mãe, os tornando unidos enquanto ele é formado. Ao nascer, essa conexão se aprofunda, se tornando mais real; sabendo da importância da união pra sua sobrevivência, o bebê se apega total a mãe – conforme explana esse artigo.

Fuuuuuuuusão!

Se você nunca ajudou Goten e Trunks a completar o processo de fusão, é porque desconhece o poder que uma conexão desse naipe proporciona pra manter a ordem do universo, ainda assim, já experimentou esse tipo de combinação, embora não deva lembrar do ocorrido. Segundo Melanie Klein, até os quatro meses a percepção do bebê é dele e sua mãe se tratarem de um único ser, onde o corpo materno é uma extensão de si, bem como o seio que lhe alimenta. Nesse estágio de fusão emocional, enquanto sua psique é formada, o bebê entende a falta de contato como um não existir, por isso o toque é ainda mais importante nessa fase.

A primeira dor causada pela separação surge quando o bebê se dá conta de existir uma divisão entre ele e sua mãe. Mesmo assim, a importância de manter as relações permanece, pois o sistema de apego em nossa mente nos atrai de forma magnética pras conexões. Após a mãe e o pai, ela se estende aos irmãos, parentes, colegas, professores, etc., até chegar aos parceiros românticos e a gente constituir família, onde a conexão recomeça, num ciclo sem fim. Porém, a cultura pop nos bombardeia com a ideia de que, por sermos uma entidade dotada de pensamentos e vontades, somos independentes da existência do outro, e a gente segue os próprios caminhos ao esquecer o que sabia no nascimento, pro bem ou pro mal: estamos todos conectados. Se até o conflito entre países pode afetar a economia mundial, piorando ainda mais as coisas – que pode culminar na extinção humana – também precisamos do outro em escala pessoal; ilusão é acreditar podermos existir sem o outro, não só pela ajuda, mas pela necessidade de nossa essência.

Conectados pra conectar

Conforme crescemos e partilhamos de momentos com outras pessoas, vamos nos conectando, daí surge a intimidade – aquele caminho sem retorno – e com ela as conexões estreitam. Relacionamentos profundos são baseados em sentimentos e emoções, cujo tempo intensifica, gerando apego que não só conecta, também molda na mesma intensidade que influenciamos o outro. Segundo a teoria das relações objetais, surgida da teoria do inconsciente de Klein, de 1921, o contato e a necessidade de formar relacionamentos é a principal motivação do comportamento, e no desenvolvimento de nossa personalidade.

Nossa necessidade de criar vínculos existe porque nascemos conectados pra conectar, afinal, estamos todos ligados, a navegar no mesmo barco pelo rio da vida – como abordado por aqui. E sua importância é essencial, por reduzir nossa incompletude, lembrando não estarmos nessa dimensão por capricho do acaso – como alardeia o niilismo, comentado aqui – elas ajudam a suportar o fardo dessa existência decaída e de ausência, nos conectando com quem é imagem e sombra [Gênesis 1.26], até a perfeição ser tudo em todos [1 Coríntios 16.28], extinguindo todo vazio e conexão perdida.

Como os vínculos são uma evolução direta das relações com nossos pais, elas liberam os mesmos neuroquímicos, como ocitocina, vasopressina e dopamina, gerando conforto, segurança e calmaria, além de possuírem padrões de comportamento semelhantes quando se trata de separação. Falando em separação, tendemos a ser resistentes não apenas por uma questão de gosto, mas devido a um impulso psicológico que nos faz querer ficar e cuidar. Despedidas criam uma lacuna entre relações antes próximas, nos privando da companhia de quem compõe uma parte significativa de nossa identidade emocional.

A realidade da dor emocional

Quando experimentamos a dor social por meio do desprezo ou alguma palavra cruel, o sentimento é tão real quanto a dor física, conforme relata Matthew Lieberman em “Social – Why Our Brains Are Wired to Connect” (em livre pt-BR: “Social – Por que nossas mentes são conectadas pra conectar?”, de 2014), já que essa necessidade é fundamental pra sobrevivência. Segundo ele, o que provoca dor é aquilo que ameaça nossa existência, e a dor social é o maior sinal que a evolução trata as conexões humanas como uma necessidade, não apenas um artigo de luxo que nos damos quando há tempo a perder.

Nosso coração não é bom e menos ainda confiável [Jeremias 17.9], razão de sobra porque a filosofia tratou de esboçar como somos egoístas e mesquinhos, em busca de obter mais benefícios pra evitar ameaças físicas e o esforço. Mas, como a dor e o prazer sociais são conectados à nossa existência, fica claro que as conexões não surgem apenas devido a segundas intenções, ou visando obter lucro e recursos, mas como consequência de uma necessidade universal em se conectar. Num universo onde não passamos de pó, conexões validam nossa importância, tornando a existência prazerosa e significativa; são elas que nos dão senso de propósito e uma razão pra seguir evoluindo em todas as áreas – conexão não é fraqueza, mas a força que impulsiona a vida.

Os outros no “eu”

Por mais que a cultura exalte a independência e o desapego do hedonismo que não possui responsabilidade emocional com o outro – como visto por aqui – o “eu” é um fenômeno muito mais social que sua aparência interior faz parecer. Descobertas da neurociência trouxeram novos dados que revelam existir uma região do cérebro, entre os olhos, chamada “córtex pré-frontal medial”, ativada ao refletir sobre nós mesmos. Toda vez que pensamos em nossos gostos e preferências, memórias pessoais e aspectos de nossa personalidade, ela entra em funcionamento.

Porém, quanto mais ativa essa área estiver ao recebermos sugestões dos outros, maior a probabilidade de seguirmos essas orientações, ou seja, ao invés da área que mais representa o “eu” ser lacrada como um cofre, está mais pra um cavalo de Troia; onde deixa entrar crenças terceirizadas, sob o manto da escuridão, sem a gente perceber. Até a independência do “eu” que nos distingue dos demais, e permite trilhar nosso próprio caminho, é transformada pelas interações que podem nos corromper [1 Coríntios 15.33] ou nos fazer mais sábios [Provérbios 13.20] e ousados pra avançar pela vida. Daí a importância de se envolver com boas influências [Salmos 1].

A distância entre nós

Quanto mais intensos os laços, mais devastadora será a separação quando aparecer em algum momento inesperado. O sofrimento emocional pode ser maior até que a dor física, já que o trauma de bater o joelho no canto da porta some conforme a marca desaparece do corpo, já a separação se eterniza em nós, abrindo uma brecha que não pode ser fechada porque sua parte se foi com a partida. Inclusive, se ela for prolongada pode aumentar o nível de ansiedade, depressão e distúrbios do sono.

Como observado pela psicóloga social Lisa Diamond, da Universidade de Utah, a separação pode causar irritabilidade e fazer o corpo liberar quantidades maiores de cortisol. A coisa é tão séria que até mesmo os animais experimentam efeitos nocivos, segundo Larry Young, neurocientista comportamental do Centro Nacional de Pesquisa de Primatas da Universidade Emory, a separação causa sintoma de abstinência e aversão pra eles “quererem procurar seus parceiros e manterem o vínculo unido”. Já quando se trata da interação animal com humanos, a separação pode causar o transtorno de ansiedade de separação nos pets.

Que faço eu da vida sem você?

Distância não precisa resultar em separação. Limites físicos não impedem a existência de relacionamentos, nem mesmo é preciso proximidade pra mantê-los saudáveis – inclusive a separação acontece sem necessidade de barreiras físicas. Como forma de reduzir a distância pode se utilizar carta, ligação, videochamadas ou até mesmo um salve por mensagem – a tecnologia acaba sendo útil pra estreitar os laços, algo que deve aumentar com a Iniciativa do Futuro da Internet, cujo objetivo é uma conexão livre pelo globo, ainda mais com a cobertura via satélite pra geral se comunicar, sem importar o ponto em que esteja no planeta. Assim, mesmo longe, basta manter a comunicação aberta e sincera. Porém, é preciso saber utilizar os meios de comunicação pro excesso de tecnologia não se tornar um tiro no pé – como vimos aqui – afastando e isolando a gente em nosso mundinho virtual.

E quando a pessoa parte dessa dimensão? Nesse caso, não há tecnologia, ciência ou arte que permitam uma conexão direta e confiável. O que resta é deixar o tempo ajudar a atravessar as fases necessárias pra encarar a inevitável separação que vai se prolongar pelo resto de nossa existência – como relata de forma vívida o poema “O dia que a gente não queria ter vivido“.

A real é: distâncias, sejam elas sociais, geográficas ou dimensionais, fazem parte dessa vida decaída, mas não precisam limitar nossos vínculos. Tudo é uma questão de perspectiva. É preciso enxergar a distância como promessa de retorno [João 5.24-25]. O que não significa que a dor irá desaparecer, mas entender a separação como promessa de nos reunirmos outra vez, torna o processo menos traumatizante e o vazio deixado suportável de conviver, pois sabemos que ele um dia será preenchido [1 Tessalonicenses 4.13-14]. Do contrário, a ideia de nunca mais rever a pessoa apenas tornará a separação intolerável, aumentando seu tamanho até nos devorar.

Artigo publicado originalmente no LinkedIn, também está disponível no Medium.


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Ósculos e amplexos,

Mishael Mendes Assinatura
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