#episodioanterior
O que poderia resultar a mistura de uma galera bem zoeira, muito trabalho e estudo e bastante cupcakes – mesmo num sábado de sol?
Só podia rolar muita diversão, afinal, estudar enquanto a geral aproveita o dia só fazendo assim! Mas no meio isso, Jean descobre algo na galeria de seu celular que o deixa meio confuso.
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Jean voltou pra casa meio coisado, um tanto feliz, outro tanto perdido – com algo incomodando por não conseguir falar com Kylie o que queria.
— Boa noite, crianças!
— Vai dormir já, filhão?
— Mair cansaço, pai.
— O bichinho passou o dia estudando.
— Está certo, vai lá! – Borges deu um soquinho no braço do filho.
— Boa noite, sua linda! – Jean beijou a cabeça da mãe.
— Bom descanso, filho.
Ao chegar no quarto, ele se jogou na cama e após se esticar bem, abriu a galeria do celular, pra ficar vendo as fotos da Kylie – sem ninguém pra interromper, dava pra ver com mais atenção.
Assim deu pra reparar na harmonização das cores, texturas da grama, árvores e pele, a luz refletida – ora de tons azuis, ora amarelados – sobre o assunto da foto. O matiz celeste, bem vívida, o jogo de sombra e luz, captados pelo diafragma da câmera, passando pelo obturador até o sensor eternizar os sutis momentos que costumam passar despercebidos.
“Não são pessoas ou situações que podem afetar a gente, mas a atitude que tomamos em relação a elas.”
Ele ia passando as fotos, depois voltava cada uma até chegar na primeira – engraçado que sempre tinha algo novo pra reparar. De tudo, o que mais prendeu atenção foi o sorriso de Kylie – que agitou algo nele, despertando descargas de adrenalina.
Enquanto continuava revendo as fotos, a lembrança da mina se sobrepôs a visão e ele recordou do jeitinho simpático – às vezes até ingênuo dela. Kylie tratava a geral de maneira carinhosa, té mesmo quem tivesse acabado de conhecer – algo tão natural que não carregava o menor tom de falsidade.
Era mesmo uma delícia ouvir a risada dela se espalhar como música quando Kylie tava feliz – algo que era bem frequente, já que o riso era parte dela.
— Já sei! Vô mandar mensagem, assim fica melhor… – Jean ficou agitado. Uma espécie de nervosismo, com pressa, alegria e tristeza se agitavam nele, a ponto de não conseguia dizer o que queria.
Na real, a ideia da mensagem foi uma boa, pena que ele não se tocou disso antes, porque quando abriu o app viu que ia dar três da madrugada.
— Poxa! Por que não lembrei disso antes?
Difícil! Distraído como cê tava, não conseguiu dar atenção pra nada além das fotos.
— É, acho melhor dormir, maior tarde já!
Mas, dormir, como? Quem disse que ele conseguiu fazer isso?
Jean ficou virando na cama, era tanta adrenalina percorrendo o corpo que ele tava ligadão. O cérebro ficou pensando nas fotos perfeitas de Kylie e as edições que dava pra fazer, sugerindo várias ideias.
— Filhão, bora! Está na hora de levantar. – Borges continuou o batuque na porta.
— Acordei! – Jean respondeu numa mistura de mau-humor com embriagues, só aí o pai parou de bater.
Se a voz tava arrastada, o corpo era numa moleza só, maior sacrifício foi pra conseguir se esticar e abrir a porta – só assim pro pai parar de ficar batendo.
Boris precisou chamar umas cinco vezes antes de Jean levantar – algo que só fez devido à insistência. Ele se arrastou pro banheiro, mas sentindo que o pai foi só o esperou fechar os olhos pra ir acordá-lo.
Após um banho demorado, ele ficou um pouco mais esperto.
— Filho, vai se arrumar logo, você sabe como seu pai fica.
— Tá, mãe! – Ele revirou os olhos, mas sabia o quanto Catie tinha razão.
Metódico como era, Boris lodo estressado com atrasos, então Jean tentou se arrumar o mais rápido possível, mas não fui suficiente, pois quando chegou na cozinha o pai tava de cara feia já.
— Você ainda vai tomar café? – Borges se espantou ao vê-lo pegar o leite na geladeira.
— Ué, tô com maior fome.
— Devia ter saído logo da cama! Te desde cedo.
— Amor, ele toma rapidinho. – Catie interveio, pacientemente, pra evitar discussão logo de manhã.
— Bom mesmo, se não a gente vai perder a exposição. – Borges foi pra sala.
— Poxa, filho, custava levantar logo? Cê sabe como se pai se se estressa.
— Mals aí, mãe! Tava maior cansado.
— Você não foi dormir cedo?
— Tentar a gente tentou, mas não deu.
— Anda logo, então.
Jean engoliu o mais rápido que pode, mais o estômago não tava ajudando. Quando colocou o último pedaço de pão na boca, percebeu-se observado pelo pai, daí levantou e tomou o resto do leite, enquanto ele se dirigia pra porta, prestes a fechá-la, mas Jean ainda bebeu um gole d’água, deixando Borges mais impaciente.
O tempo estava fechado, com uma garoa que não parava de cair, mas assim que pegaram a estrada a chuva apertou – como em Sampa chuva é sinônimo de trânsito ruim, mesmo sendo domingo, os carros começaram a amontoar de todos os lados e eles levaram mais tempo do que o que era necessário.
— Está vendo só? Não vai dar tempo da gente pegar a exposição! – Borges bufou. – Se você não fosse tão lerdo, Jean.
— Bora, então, fazer outra coisa? – Jean soltou após tanto ouvir o pai reclamar.
O problema é que quando Borges começava a reclamar, não parava mais – o pior é que não percebia isso, pra ele estava apenas comentando.
— Mas falta só três quilômetros. – O pai lembrou.
— Só que não vai dar tempo mais, té a gente chegar lá, passou das dez já.
— Se você não fosse lerdo!
— Poxa, pai, dá um desconto! Não consegui dormir cedo. Tava mó a fim de ir com cês, a gente quase não sai junto e quando acontece é só pra cê brigar comigo?!
— Calma, meninos, vai dar tudo certo!
Jean respirou fundo, a mãe sempre dizia que não são pessoas ou situações que podem afetar a gente, mas a atitude que tomamos em relação a elas. E ela tinha toda razão, não valia a pena se estressar com o pai e acabar criando maior climão.
— Você não pode ligar lá, filho?
Achando a ideia boa, Jean fez exatamente isso e perguntou se tinha problema chegar atrasado. Só que quem atendeu soube informar nada e disse que só indo lá pra saber.
— Vâmo assim mesmo, então!
Eles chegaram com vinte minutos de atraso. Na maior cara-de-pau, Jean chegou junto da pessoa que organizava a entrada e explicou que não conseguiram chegar mais cedo pelo trânsito ruim e perguntou se ainda podiam entrar.
— Vocês compraram o ingresso pra que hora?
— Das dez!
— Faz o seguinte, espera o próximo horário, aí vocês entram. OK?
— Beleza! Valeu!
Assim, como Catie previu, deu tudo certo e eles conseguiram entrar.
Fazia tempo que Jean tava querendo visitar o Acervo em transformação, ainda mais agora com obras do Museu de Arte Contemporânea do Chicago, Borges então ficou mó empolgado, por isso quando achou que ia perder a viagem, ficou logo no maior estresse.
Ao chegar no segundo andar do museu, não teve como não se impactar com a visão das obras, flutuando pela ampla sala, expostas em molduras de vidro encaixadas em blocos de concreto – os famosos cavaletes de cristal – ficavam organizados em fileiras, livre de divisórias.
A sensação de proximidade dos trabalhos – que podiam ser contornados – dava a sensação de estar numa floresta, onde com cada quadro convidando pra um mergulho em seus mistérios, primeiro se tentava interpretá-los, pra só então saber o nome e informações no verso dos mesmos. O que Jean tava mais a fim de ver eram as obras de Andy Warhol e Robert Rauschenberg, ligados a pop art.
De lá, bem mais feliz agora, Borges os convidou pra ir na Starbucks.
— Tá, mas o senhor paga! – Jean piscou, aproveitando o bom humor do pai.
— Tudo bem! – Borges concordou, sorrindo.
— Bora, então, paizão! – Todo contente, ele abraçou os ombros do pai.
— Agora, sim! Gosto de ver meus meninos assim. – Catie sorriu toda feliz, logo atrás deles.
O dia acabou sendo bem gostoso, apesar de ter começado não tão bem, o sol resolveu sair, deixando o tempo melhor pros três curtirem bastante, então ficaram até tarde no Parque Trianon.
De lá, seguiram pro mirante do SESC – tudo bem que pegaram maior fila, mas a visão panorâmica de quase 360 graus da cidade, com o sol se pondo, fez valer a pena a espera. Eles sentiram que aquela era a melhor maneira de ver o dia se despedindo, com seus tons rosa-alaranjados, numa linda aquarela.
O clima foi tão bom que Jean até esqueceu que queria muito falar com Kylie, só lembrou quando a viu na manhã de segunda.
— Oi, migo lindo! – Kylie agarrou-lhe o pescoço assim que o viu chegar na facu.
— Ah…! Oi! – Jean até ficou sem jeito, por ser recebido com tanto afeto.
— Olha que bonitinho! – Allan apontou. – Ele ficou todo vermelhinho.
— Allan, vai lavar!
— Fica bolado não, pai, a gente trabalha só com verdades! – Ele riu seguido dos amigos.
— Sei! Vão na frente guardar lugar que já vâmo.
— Já é! A gente não vai atrapalhar o casalzinho aí!
— Para de ser besta e some, Allan!
— Tá bom! – O amigo ergueu as mãos e se foi com Phael, Earvin, Ellis e Timmy, que saíram rindo.
— Que foi, doidinho? – Kylie perguntou sorrindo.
— É que queria te mostrar uns bangs que fiz. – Ele só respondeu após ver que os amigos tinham sumido das vistas.
— É de comer? – Ela riu.
— Pelamordi, cê só pensa nisso, Kylie?
— Não! Apenas 99% por cento das vezes.
— Não sei como consegue continuar bonita comendo tanto assim. – Foi fechar a boca e a bochecha tingiu de vermelho. – Ó, só! – Ele mostrou o Mi Note pra desviar o assunto.
— Jean, que phoda! – Ela deu maior sorriso de surpresa.
— Que achou? – Ele ainda tava sem jeito.
— Amei! – Ela sorriu. – Melhor pessoa você! – E lhe deu um beijão no rosto.
— Que bom! – Se antes a cara tava vermelha, agora ele todinho devia tá nessa cor.
— Onde cê fez as montagens?
— No PicsArt.
— PicsArt? Já ouvi falar, mas não conheço. Se for pra edição, gosto de usar o Photoshop Express.
— Dá pra fazer umas montagens legais, mas pra edição ainda prefiro o Photoshop que é mais profissa, só que na pressa acabei usando ele.
— Tendeu!
Ele só não contou o contexto em que fez as edições. Na madrugada de domingo, sem se quer pensar em outra coisa a não ser as fotos, agarrou o Mi Note e abriu o app.
O da hora era a possibilidade de fazer várias montagens e, entre várias outras coisas, ainda dava pra aproveitar o que de legal a galera da comunidade tinha feito, reutilizando a edição. Por isso ele dormiu tão tarde, a janela fechada não o deixou se dar conta do horário – ele só percebeu que tinha dormido, quando acordou com o pai chamando pra levantar.
— Quanto ao Express não curto ele porque não tem tanta ferramenta como na versão desktop.
— Mas dá pra fazer umas edições avançadas nele.
— Té dá, mesmo assim é básico. – Jean se gabou.
Aproveitando que tinha atenção de Kylie, ele começou a falar sobre como o Photoshop era uma ferramenta phoda de edição e tudo que sabia fazer por lá.
— Legal, mas não manjo disso tudo, daí uso vários apps. Tem um bem legal que é pra criar efeito de fotos antigas, o Kuji Cam.
— Nunca vi. Tem pro meu?
— Tem sim!
— Ele parece legalzinho. – Jean disse mexendo no celular. – Ainda assim prefiro o Photoshop, esses apps já tem tudo pronto, lá posso manipular como quiser.
— Bacana! – Ela bocejou
— Vô te mostrar uma coisa legal do Mi Note, vem cá! – Ele a arrastou pra calçada que dividia a Paulista e eles ficaram bem de frente da Cásper. – Agora faz uma pose.
Ele ficou só esperando Kylie fazer a pose e bateu a foto, com a câmera ultra-wide, daí trocou de câmera, deu um passo pra trás e tirou outra, então mudou pra teleobjetiva de 5x e após dar mais um passo pra trás, clicou novamente. Daí acenou pra ela encostar.
Kylie viu que na primeira foto a facu tava de fundo, meio distante, já na segunda, apesar dela ocupar a mesma proporção, o prédio tinha ficado mais próxima e na terceira, parecia que ela tava encostada no paredão, onde fica escrito Gazeta, embora ela continuasse ocupando a mesma área da foto.
— Nossa, que legal! Como isso acontece?
— É que as lentes dele deixa aproximar o fundo conforme a gente se afasta.
Como o Mi Note possui cinco lentes – uma ultra-wide, uma wide, duas teleobjetivas e um sensor de profundidade – é possível dar novas perspectivas, através das variadas distâncias focais.
— Queria que meu iPhone fizesse isso!
— Ah, mas as três câmeras do iPhone 11 Pro tem deep fusion, que deixa as fotos mais vivas. Cê devia usar o modo retrato, ele valoriza mais. Só que precisa tá no mínimo a 48 centímetros de distância, ter contraste entre você e o fundo, além de boa iluminação.
— Tendeu! – Ela balançou a cabeça, de vagar. – Manda pra mim essas fotos e as que cê editou!
— Claro! – Jean selecionou e enviou todas.
Kylie lhe pareceu meio estranha – ou era só impressão dele?
— Doidinho, tô falando contigo!
— Oi?
— Bora! A aula já começou! – Ela olhou pra trás e saiu correndo.
— Peraí! – Ele fez o mesmo, antes do farol fechar. – Queria saber…
Quem disse que Kylie ouviu, ela já tava no topo da escada.
— Como ela chegou lá tão rápido?
Se cê não sabe, parcinha, pior a gente – né, não!?
Assim, mas uma vez ele não conseguiu falar com ela – o problema é que ele rodeava demais ao invés de ir direto pro assunto Claro que o medo de rejeição ou dela pensar algo dele não ajudava em nada.
#proximoepisodio
Outra vez, Kylie escapa sem que Jean consiga falar com ela o que tanto queria. Afinal, que tanto ele tinha pra falar que não fazia isso logo de uma vez?
Independente disso, a turma percebeu o tratamento diferente dele com Kylie, mas uma portada na cara pode deixar as coisas bem mais claras. Jean acaba conseguindo o que queria e descobre uma Kylie que nunca imaginou – bem diferente daquela garota meiga e recatada que conhecia.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.