Certa vez uma mariposa viu as trevas iluminar
Suspensa pelo ar, sua atenção se voltou total
Nada mais se movimentava, apenas suas asas
Permitindo com isso ficar estática no tempo
Sedutor, o brilho a sair dessa fonte convidava
Lhe atraindo os sentidos pra em sua direção ir
A sorrir empolgação, acenava com suavidade
Pelo frio da noite prometia aconchego e calor.
Quanto mais ela contemplava aquele fulgor
Mais tomava corpo o desejo de se aproximar
Impulsionada pelo querer, bateu asas e voou,
O movimento a fez deslizar através do ar frio
Rumando pra luz a chamar em dourado alvor.
Conforme pairava, o peito foi ressoando força
Tamanha agitação interna zonzeira provocou
Mas o desejo a conduzia com firmeza ao lume
Quanto mais se achegava, mais pulava o peito
Até ondas de calor lhe entrelaçar num abraço,
Mas o desejo corpóreo a recebeu devorando;
O ardor queimou até por inteira lhe consumir.
#papolivre
Esse poema surgiu como um desafio que me impus: criar uma versão rebuscada, de uma fábula do Leonardo da Vinci, onde defini que a personagem seria uma monarca – já que essa borboleta pode chegar a 12 centímetro de envergadura. Só que o tempo trouxe a percepção que apesar disso ter me estimulado o intelecto, o resultado ficou complicado pra ser entendido até por mim, visto que o texto era composto de palavras pouco usuais. Assim, resolvi reescrever o curto conto com um formato poético e lhe dar profundidade.
A primeira vez que tive contato com a fábula me surpreendeu o fato do Leonardo, mesmo sendo um polímata, também ter se aventurado a escrever nesse estilo – feito esse, pouco conhecido, já que as histórias estavam perdidas entre rascunhos que abordam uma diversidade de assuntos deixados por ele, e publicados em 1888. Encontrei a fábula num livro infantil – que nunca mais achei – sob o título “A Borboleta e a Chama”, algo que soou pouco fora da realidade, já que borboletas não são atraídas pelo brilho natural ou artificial, mas por se tratar de uma fábula, pode tudo. Quando encontrei a versão original “A Mariposa e a Vela“, a história fez mais sentido.
Apesar do estilo antigo, essa versão moderna do mito de Ícaro, é mais perversa, sendo que a atração irresistível da mariposa não apenas lhe derrete as asas, mas a consome por inteira. É preciso cuidado com o brilho que reluz, pois ele pode não se tratar de vida, só levando a mais escuridão – como alerta o poema “Em sedução, o escuro brilhou“. O mal pode surgir em luz a aquecer [2 Coríntios 11.14], caso seja necessário enganar, cegando com seu brilho que é densidade de obscuridão [Mateus 6.23] – algo abordado pelo poema “Na escuridão foi onde luz busquei” – tão envolvente que se fosse possível iludiria até quem está na luz [Mateus 24.24].
Associada as trevas e a escuridão, a mariposa não é portadora da morte ou do mal – como desmente o documentário “O feitiço entre borboletas e mariposas” – diferentemente de nós, que possuímos uma natureza decaída que procura se distanciar da essência [Romanos 8.7] pra gente ceder à maldade originada no egoísmo de nossos desejos – até cumprimos sua vontade e dar ruim [Tiago 1.14-15]. Mas, diferentemente da mariposa que não consegue resistir a atração fatal – como o artigo “Derretendo de tanta beleza” explica seu trágico destino – nós podemos e devemos submeter nossa atração a essência que nos inunda de luz [Tiago 4.7], ignorando as batidas na porta do coração – algo pra qual o poema “A esperança atrás da porta” chama a atenção.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.