Em busca de temporária estadia
Foi necessário alto preço pagar,
Conquistando morada em mim.
Batidas interrompem o silêncio,
Na porta, uma voz com encanto,
Convida à verdes pastos correr,
Oferecendo do mundo a beleza,
Em troca de receber um abrigo,
Rápido repouso está a procurar.
À desconhecida voz recuso abrir,
Então ela se vai, mas dia após dia,
Retorna mais sedutora, a suplicar
Que lhe ceda, a deixando entrar.
Em negativa mantenho resposta;
Esperando tua volta permaneço.
Teimosa, a voz continua clamar,
Oferecendo a doçura dessa vida,
Do prazer o excesso de delícias.
Persistente, prossigo na decisão,
Mas, falho, começo a entristecer,
Devido à demora em teu retornar,
Se enfraquece em mim esperança.
Poderia o ínfimo te voltar a olhar?
Aos ouvidos, ainda mais desejável
Se parecem as fábulas contadas.
Onde aquele que direciona está,
Que pra distância do redil se foi?
Mão na maçaneta, pronto a abrir,
Em impaciência aperto a firmeza,
Prestes a dar entrada àquela voz,
Alertando que em vales e montes,
É onde a verdade posso localizar,
Não aonde se encontra conforto.
Então, lembranças fazem recordar:
A vida, um dia, entregue por mim
Foi doada pra que diminuindo eu,
Restasse nada além da essência.
É preciso negar a minha vontade,
Fazer se desintegrar a resistência
Pra intenção mais excelente viver.
Carregar o fardo a mim destinado
Ensina a suportar provação e dor,
Pois, mesmo durante sofrimento
O refrigério pode ser encontrado.
Ao seguir teus passos, se mostra:
Necessidade da porta me afastar,
Expulsando a voz, desisto de abrir.
“Continue por seu largo caminho,
Mais adiante você achará teu fim!”
Silêncio se refaz, em alívio respiro,
Recostado na porta, escorre o suor.
Num súbito, a porta se movimenta
Com força pra se arremessar longe,
Ouço ao derredor, bradar um leão,
Gela o sangue, solidificando medo.
Um aterrador rugido se faz vo(ra)z;
Em sua fúria me reclama entrada,
Ameaçando soprar tudo pelos ares,
Abalada, a porta quase vem ceder,
Se estremece a casa em temporal,
Então o toque do vento faz lembrar
Que sobre a rocha estrutura se fez.
No aumento do sopro tudo treme,
Nem assim pode a casa implodir.
As súplicas mais fortes se tornam,
Insistentes, berradas, infernadas;
Mais batidas, protestos, ameaças,
Até que um brado de ódio estruge,
Espalha pelo ambiente decepção.
Eis que do mar alto, onda ressoa,
Com a força de muitas águas fala,
A me chamar o nome, vem buscar.
Ao som dessa voz, eu abro a porta
Pra que morada venha acontecer.
Correndo vou à direção nivelada,
Disposto a não mais te deixar sair.
Firme, mas em submissão, inquiro
A causa de tamanho afastamento,
Você me diz que em busca estava
De tantas outras ovelhas perdidas,
A vagar no vale de sombra e morte.
A vergonha escorre, me lava a face,
Fazendo aos teus pés me projetar,
Então me tomas em Teus braços,
Declarando teu cuidado e carinho
E me conduz a uma nova morada;
Dando início a verdadeira história,
Findando rascunhos de felicidade,
Onde harmonia viverá pra sempre,
E as lágrimas só escorrerão alegria.
#papolivre
A gente é casa que às vezes deixa tanta coisa entrar, ainda mais quando surgem tentações que reforçam nossa fraqueza e dificuldade em lidar com alguns pontos do caráter; apesar dessa onda possuir altura suficiente pra nos engolir, sua intensidade é de curta duração. Porém, confiar apenas na força de vontade não é suficiente, já que ela possui uma cota de resistência que se desgasta ao longo do dia – como alerta o artigo “Temperando com pedacinhos de nós“.
A real é: somos seduzido pelo descontrole de nossos desejos, que tentam nos arrastar [Tiago 1.14] pra haver uma entrega às nossas inclinações [Gálatas 5.19-21]. Ainda assim, precisamos negar nossas vontades [Mateus 16.24-25, Marcos 8.34-37, Lucas 9.23-24] e não ceder ao prazer desejado – até porque fazer isso pode gerar morte [Tiago 1.15]. Mesmo que a negação provoque a ira do mal, que mete o terror ao ameaçar, soprar tudo pelos ares, o máximo que ele consegue fazer é rugir ameaças [1 Pedro 5.8], porque quando possuímos estrutura, não é possível ser arrastados nem mesmo pela força de vendavais [Mateus 7.24-27].
Na guerra contra nós mesmos – onde o id luta com o superego [Gálatas 5.17], como mostra o poema “Disforme, não sei mais quem sou“, sendo melhor abordado no artigo “A falta de sentido e humor da vida” – é preciso força pra manter o que é nosso [Apocalipse 3.11] e alcançar o que vale a pena [Mateus 11.12]. Até porque agir diferente quando se faz necessário, deixa nossa força sem impacto nenhum [Provérbios 24.10], igual tentar abrir um pote de vidro que não cede por mais força que se use, fazendo as dificuldades se tornar criptonita a enfraquecer; e nem adianta usar jeitinho pra tirar a pressão. Devemos permanecer firmes, submetendo os desejos à vontade mais excelente que a nossa e resistindo [Tiago 4.7], mas quando a coisa esquentar, a saliva empastar e borboletas se debaterem no estômago, é preciso meter o José – o que pode nos livrar de cair numa baita cilada, como aconteceu com Julian em “O Segredo das Eras – Despertar“.
Nem tudo a pedir entrada no corpo é com objetivo de se virar contra nós e nos tornar presas sua [Gênesis 4.7], também existe quem bate a porta do coração, buscando comunhão [Apocalipse 3.20]. Aquele que deixa tudo o mais pra trás [Lucas 15.4-5], disposto a resgatar, mesmo a gente se perdendo na enxurrada de desejos que tentam afogar – como descreve a prosa “Princípio & Redenção (Everything)“. Capaz de amar a ponto de pagar um alto preço pra trazer resgate [João 10.11], esse guia é chamado de Bom Pastor, porque nos conduz pelo verdor do pasto, onde as águas carregam tranquilidade, guiando em segurança até mesmo pelo vale onde a morte encobre com suas sombras [Salmos 23.1-4], como um pastor – título que vem do latim, pastor, “o que guia ou conduz ovelhas”, de pascere “apascentar, levar ao pasto”.
Assim, o que resta é aguardar seu retorno pra nos conduzir pra outro lugar [João 14.2-3], onde todo sofrimento, separação, desejos que deformam a matéria corrompida, e aquilo que causa separação da essência [Isaías 59.2] deixarão de existir [Apocalipse 21.4] – onde tudo será reiniciado em perfeição [Apocalipse 21.5].
Ainda que o cumprimento dessa esperança demore – fazendo a natureza gemer por sua revelação [Romanos 8.19-23] – ela é necessária pra outros serem alcançados [João 10.16], mas em breve essa esperança irá se achegar [Hebreus 10.37]; e se a espera enfraquece o coração, quando se cumprir se tornará árvore de vida [Provérbios 13.12]. Dessa forma, devemos ignorar e até correr de vozes desconhecidas na porta [João 10.5] – ainda que se utilizem de diversas artimanhas, que se fosse possível nos convenceria [Mateus 24.24] – dando atenção apenas a voz do Pastor disposto ao sacrifício por nós [João 10.14-15], reconhecida através da intimidade de seu cuidado por nós [João 15.13], porque qualquer um a agir de outra forma oferece perigo [João 10.1-18].
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.