Entre árvores cercadas de neblina, a ave mais majestosa tomou os céus.
Ele desconhecia seu nome, só sabia que o voo dela alcançava as alturas.
Ao planar, ela trouxe nas asas a alva que esticou pela amplidão celeste
Feito manto de luz desdobrado, e o rubor brilhante da alvorada espalhou.
De cor se encheu o céu, numa mistura de tons que formou gradientes;
Aquele era de todos o mais belo horizonte a amanhecer em seus olhos.
Enquanto o dia impregnava de luz, a ave partiu pra extremidade do mar,
Fez habitação nas rochas, onde chuva ou vento não movia o seu alicerce.
Desde a descoberta do pássaro, ele passou a acordar cedo só pra observar
Raios solares a escapar de suas asas, enquanto a bravura brilhava no peito dela.
Distante, o que lhe restava era assistir, com uma visão que alcançava
Vales recobertos em tons de grama e musgo a cobrir as rochas,
Onde águas abriam caminho pela encosta até os olhos não enxergarem.
Após o esplendor celeste se encher de graça e luz, o ambiente aqueceu.
Levado por seu sonho mais ousado, ele abriu as asas e o céu cavalgou,
Percorreu a vastidão celeste, cruzando o frescor das nuvens a brincar.
Se lhe era proibido voar, ao menos a mente preenchia com esperança.
“Como deve ser bom ter o céu inteiro pra poder voar?”, ele suspirava,
“Quem tem asa possui liberdade nos olhos e segue o caminho do vento”,
Essa era sua percepção; embora apenas alcançasse os céus com a mente,
Em si, vibrava uma convicção que o fazia sentir que era o céu seu lugar.
Assim passava os dias a observar o horizonte, montado na imaginação,
Alimentando o desejo de correr entre as copas dos imponentes merantis
Que com os anos seguiam firme em seu desejo de buscar o céu alcançar
Com troncos que dispersavam tempestades e copas a cobrir todo o vale.
Mesmo que desfrutar a imensidão não fosse sua realidade, ele era feliz,
Ali recebia o que precisava, sua árvore o protegia, fornecendo frutos doces
Pra nutrir e o fazer crescer saudável, além de oferecer orvalho pra lhe saciar;
Sua gratidão não poderia desejar nada melhor que a boa vida levada ali.
Eis que o céu se encheu de escuridão e, impetuoso, o vento veio soprar
Numa força capaz de agitar os merantis, tudo empurrava com violência,
As lágrimas em que se desfizeram as nuvens estavam quase a afogá-lo;
Movendo as coisas de lugar, o vento começou a puxá-lo pra longe dali,
Quanto mais o vento lhe tentava arrastar, mais ele se agarrava a árvore,
E tanto mais ele se segurava mais a tempestade e o vento lhe surravam.
Cansado das tentativas pra salvar a própria vida, ele resolveu ceder,
Só aí percebeu estar preso em algo que o mantinha enroscado a árvore.
Mais um puxão do vento e o cordão que o matinha confinado a tempos,
Que ele mesmo esquecera estar preso acolá, terminou de se arrebentar.
Quando isso aconteceu e ele passou a ser arrastado nos ares pelo vento
Dentro de si, pedaços começaram a juntar, ruídos estalaram nas costas,
Suas asas abriram, não as da imaginação, as que ele havia ignorado ter.
Montado no vento, ele flutuou; sim, pairou sobre as asas da liberdade.
Com disposição renovada, voou alto quanto a ave que vivia a observar
Correndo a imensidão, deslizou sem ficar exausto ou mesmo se cansar.
Descendo as copas dos merantis havia um mundo inteiro pra sobrevoar
Que acabou encoberto pelas nuvens, enquanto sua prisão o fez deixar
De olhar pra si, a não ser em seus sonhos que o lembravam da verdade.
Com as esperanças de um novo futuro, a liberdade abriu as asas sobre si.
Então, das lutas, na tempestade, no canto do coração pode ouvir a voz
Da liberdade, a lhe dizer que ele era assim como nela podia se enxergar.
Quando no horizonte aquarelou azul e laranja, a liberdade veio raiando,
Ele deixou de ser expectador, passou a fazer parte de cada nova aurora,
Seu caminho se tornou o mesmo do vento, que desconhece limites.
#papolivre
Durante as orações foi onde tive as palavras mais poéticas, as imagens mais vivas e a inspiração mais profunda – ainda mais que em sonhos. Por mais que a criatividade possa ser encontrada em diversas fontes – inclusive em entorpecentes – a oração expande a mente de uma maneira que aumenta nossa conexão com a Essência ao invés de apenas criar maravilhamento. Foi através dela que Davi compôs versos inspirados a ponto de serem proféticos – algo que não foi feito intencionalmente, mas aconteceu quando ele se deixou conduzir pelo ímpeto que se movia em si. Assim nasceu esse conto em forma de poema.
Enquanto falava com D-s sobre a necessidade de ser livre das amarras que me embaraçam a caminhada em direção ao Verdadeiro Caminho da Vida [João 14.6], a criatividade fervilhou. Quando vi, as palavras haviam sido derramadas em forma de poesia, ao descrever a imagem desse ser que aspirava as alturas sem poder alcançá-las, até ele ser arrancado de onde estava e contra a vontade descobrir o que lhe impedia, e realizar seu desejo mais ousado. Algo que só foi possível após o Vento soprar, fazendo tudo se mover e lhe concedendo a chance de ser tão livre quanto a liberdade que essa força invisível é [João 3.8].
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.