#episodioanterior
Ao descobrir o autor da ligação perturbadora, Jean ficou até sem saber como reagir, mas no meio da “conversa” a coisa fica mais estranha. Como se tivesse tentando se comunicar, Yakut começa a miar de um jeito tão estranho, parecendo falar uma língua maior cabulosa.
Se tratando de coisa estranha, aquilo foi só o início de uma das piores noites que ele não imaginou viver nem no pior pesadelo – por falar em pesadelos, eles tavam a caça de Jean e ele mal conseguiu descansar aquela noite, ainda mais quando foi atacado no meio da escuridão.
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Quando a coisa caiu no chão, Jean ouviu um miado dolorido, na hora soube que era Yakut – bem que ele achou ela macia demais, mas o medo foi tanto que não conseguiu pensar em nada além do que se livrar logo daquilo.
Estendendo a mão na direção que jogou Yakut, a pegou no braço, se desculpou, mas disse que ela não devia ter chegado daquele jeito. Jean botou a mão embaixo do travesseiro, tateando até encontrar o Mi Note, só pra ver que ainda era três da madrugada.
Sentindo a boca seca, resolveu descer pra tomar água, bateu a mão no interruptor, mas nada da luz ter voltado.
— Bora tomar água? – Ele olhou na direção daqueles olhos de fogo e os viu se fechar, daí Yakut encostou a cabeça na cama, onde já se tava toda esparramada. – Tá bem, vô só!
A resposta de Yakut foi apenas um sonoro ronronar, sem se quer, se dar ao trabalho de abrir os olhos.
No instante que o copo tocou os lábios, Jean sentiu a água refrescar garganta abaixo, ele só se deu conta do tamanho da sede quando percebeu que tomou tudo numa golada só, o líquido desceu molhando toda sequidão dentro dele, a ponto dele sentir o sabor suave e distinto dela.
Jean tava quase terminando de subir as escadas, quando o barulho de algo caindo na cozinha o fez paralisar. Ele esperou mais um pouco só pra perceber que tudo tinha mergulhara na mudez, o silêncio era tanto que parecia tocá-lo.
Da janela da sala viu a lua vermelha – qual seria o motivo dela tá naquela cor? Vergonha ou algo sinistro?
Um pesar o tomou, algo opressivo, como se todo peso da casa tivesse caído sobre si, a sensação parecia rasgar as glândulas sudoríparas, transpirando violentamente, a pele já não expelia suor, mas medo líquido e em grandes gotas.
O coração bateu forte, pulando contra as costelas, a força era tamanha que parecia querer quebrá-las, o estrondo perturbou o ritmo dos pulmões, fazendo-os contrair rapidamente, dificultando a respiração.
“Encarar o medo pode ser assustador, mas o enfrentamento traz poder de domínio.”
As sombras começaram a tomar forma de algo desconhecido, mas num formato assustador e o foram envolvendo, lhe apertando com maior força a cada gota de suor expulsa da pele.
Algo no encalço dele, se aproximava rapidamente, Jean percebeu que precisava controlar a mente, antes daquilo se aproximar demais – encarar o medo pode ser assustador, mas o enfrentamento traz poder de domínio.
Porém, notou-se refém do medo que o assaltou, estava incapacitado de controlar o fluxo de pensamentos que jorravam, a única força da qual dispunha tencionava o corpo a seguir devagar, quase parando.
Quando viu era tarde demais, algo lhe tocou as pernas o possuindo, uma onda de choque correu pelo corpo, eletrocutando da raiz do pé até a ponta dos fios de cabelo – o arrepio na espinha o gelou total.
Uma gota fria caiu nele, o fazendo solidificar como estalagmite ante o horror da cena – ao mesmo tempo, frágil o suficiente pra qualquer coisa o reduzir a pó – e ele quase desmaiou quando, repentinamente, o silêncio foi quebrado.
— Miau?
— YAKUT! – Ele berrou fulo, ao perceber quem era, ao mesmo tempo que uma dose de alívio percorreu as veias, a endorfina o fez relaxar.
— Miau… – Ela se esfregou nele, ronronando.
— Como cê me assusta assim? Pensei que fosse ficar lá na cama!
Ele a chacoalhou, segurando-lhe por baixo das patas, fixado naqueles olhões – maiores devido a pouca claridade – como se esperasse ela dizer algo, mas a resposta foi tentar arranhá-lo.
— Feia! – Jean a botou no chão. – Cê vai dormir fora do quarto. – Ele fez o ofendido.
Apesar de saber que ela só queria brincar – sempre que via as meninas de seus olhos dilatadas ela tentava pegá-las – por precaução a deixou de fora, ela já tinha levado susto demais numa noite só.
Demorou um pouco pra conseguir ignorar os miados chorosos do outro lado da porta, mas depois de um tempo Yakut pareceu aquietar e Jean conseguiu dormir tranquilamente.
Quando amanheceu, foi difícil de acordar, mas um som metálico o fez despertar assustado. Os olhos abriram, procurando de onde vinha aquilo, mas não avistaram nada.
Ele se esticou pra puxar a veneziana de alumínio, então viu uma mariposa-bruxa tentando atravessar o vidro, não que Jean acreditasse em superstições, mas sentiu algo ruim na hora, uma espécie de tontura que pareceu dizer que nada daquilo era real ou parecia certo, então ele abriu a janela e a coisa saiu voando em busca de luz.
— Então foi essa coisa que tava fazendo aquele barulho. Ela deve ter entrado por causa da chuva quando abrir a porta da cozinha, como tava escuro vi nada, daí ela ficou presa assombrando aqui.
Ao olhar no celular já tava em cima da hora e ele ainda ia encontrar Kylie, então deu um pulo da cama.
— Onde cê tava Jean? Fiquei te esperando mó cota. – Ela deu um suspiro. – Pensei que a gente fosse tomar café.
— Perdão, Kylie! – Ele aproveitou pra dar um beijo naquele biquinho lindo. – É que mal consegui dormir hoje. – Ele deu um sorriso largo.
— Tá bem! – Ela sorriu após ganhar o selinho. – Agora bora, tá e cima da hora já.
Como não deu tempo de tomar café antes, depois de terminar a aula foram direto pra Starbucks, lugar preferido dos dois, tomar um Brazil Blend o de Kylie tinha sabor complementar de leite e o de Jean de chocolate, pra acompanhar ele escolheu um Quiche Lorraine e ela um Tostex dois queijos prato e estepe.
Entre conversas, beijos e abraços, eles acabaram se distraindo a ponto de nem perceber que já tava tarde, só notaram quando viram a escuridão tomar tudo lá fora.
Daí pegaram o coletivo pra casa de Kylie, que ficava na região do Jardins, desceram do ônibus, Jean sentia um cansaço monstro. Fora o fato de não ter dormido direito, a carga de atividades da facu, que obrigou a queimar bastante massa cinzenta terminou de drenar as energias.
— Jean, aqui não é minha casa! – Kylie lhe disse enquanto ele esfregava os olhos.
— Quê!? – Ele se espantou ao olhar ao redor e perceber que tavam na frente da Casper. – Como assim?
— Cê me distraiu tanto que a gente voltou pra facu. Esqueceu que moro aqui? – Ela mostrou a localização no iPhone.
Sentindo os olhos turvos, Jean pegou o celular e se assustou ao ver o endereço ali.
— Kylie… aqui é onde fica a Pina. – A voz fraquejou.
— É aqui mesmo que moro, esqueceu, louquinho?
— Mas… como…?
— Não tá reconhecendo mais minha casa, Jean? Cê ainda lembra que a gente deu uns amassos lá?
— Claro… lembro sim!
Ele concordou envergonhado, não esperava que Kylie fosse falar assim, mas pelo menos as sombras confusas acabaram dispersando dos olhos e da mente.
Chegando lá, a casa dela estava do mesmo jeito de antes, não tinha nada de diferente, inclusive o canteiro de damas-da-noite, ao passar por elas ele sentiu um calor.
— Cê tá meio confuso, acho que deve ser cansaço. – Kylie deu um sorriso compreensivo. – Tava falando contigo e cê nem percebeu.
— Desculpa! – Ele ficou envergonhado. – Devo ter cochilado.
— Em pé? – Ela se surpreendeu pela proeza.
— É, quando tô cansado demais acabo cochilando em pé.
— Então melhor cê ir descansar, Jean!
Ela deu um selinho e se afastou pra ele ir, mas Jean insistiu que aquele não tinha valido e queria um beijo de verdade, daí os dois beijaram-se avidamente.
No melhor momento, Kylie começou a sentir um líquido viscoso no rosto e se afastou.
— Jean, cê tá sangrando. – Ela exibiu os dedos vermelhos, ao passar pelo rosto dele.
— Poxa! A Yakut me paga! – Ele limpou o rosto. – Melhor agora?
— Deu uma estancada.
— Bora voltar ao que interessa, então.
Jean tomou Kylie pela cintura, enquanto ela ria, e os dois continuaram de onde tinham parado.
Só que dessa vez sangrou mais, o atrito dos rostos acabou por atrair o fluxo sanguíneo pra aquela região, fazendo jorrar o líquido numa quantidade maior.
— Jean, assim não dá! – Ela se afastou incomodada.
— Esquece isso, Kylie, vem cá! – Dominado por aquele corpo curvilíneo, Jean só o queria sentir ainda mais próximo de si. – Tá doendo não. – Ele sorriu, tentando convencê-la.
Além de dar uma sensação maravilhosa, a quantidade de endorfina liberada a cada beijo, relaxou o corpo dele a ponto de Jean não sentir dor alguma.
— Peraí, vô dar um jeito nisso. – Ela deu maior chupão no pescoço dele.
Jean sentiu os lábios dela pousar suavemente, então a língua foi deslizando sobre a pele, daí uma forte pressão fez o sangue parar de jorrar instantaneamente.
— Nossa! Como cê fez isso? – Ele se surpreendeu.
— Só um truque que aprendi. – Ela disse modesta. – Mas é segredo! – E piscou, sorrindo.
— Então cê não vai contar? – Ele riu também.
Ao olhar pro céu, a lua vermelha o fez ter um déjà vu, Jean passou a mão pelo pescoço e percebeu duas pequenas perfurações, distantes dois dedos uma da outra, bem na carótida.
Isso o deixou atordoado, nada mais parecia fazer sentido, mas anestesiado pela endorfina, como tava, as sensações de anestesia e alívio o entorpeceram.
Quando ele olhou pra Kylie ela comia algo.
— Come um pouco, cê vai gostar.
— Que é isso?
— Prova! Dá um barato legal.
Ainda que contra vontade, Jean estendeu a mão e Kylie depositou várias coisinhas brancas, dizendo pra colocar tudo na boca e mastigar rápido. Ao fazer isso, ele sentiu um gosto de perfume, quando viu a mão roxa levou maior susto.
— Kylie, isso é dama-da-noite! Engolir isso dá alucinação.
A reação dela foi sorrir e segurá-lo pelos ombros.
— Te amo, me beija, Jean! – Ele pediu com a voz cheia de manha e desejo.
Mesmo sem compreender nada as coisas estranhas que tavam rolando, ele obedeceu, o estado letárgico que apagou a sensação de dor, também o fez perder o controle de si mesmo – como se seu mundo que desabava pudesse se reestruturar na maciez daqueles lábios.
Jean deixou o corpo mais próximo possível ao de Kylie, pra compartilharem todas as sensações possíveis, uma música começou a tocar e eles iam mexendo pra lá e pra cá, embalado por ela, então ele passou a mão na cintura dela, a pressionando mais contra si e seus rostos colaram…
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH! – Ela soltou um grito estridente e assustador.
— Que foi Kylie? – Ele berrou pra poder ouvir a própria voz, com o grito inesperado no ouvido, acabou ensurdecendo.
— Que cê fez comigo, Jean? – Ela afastou o rosto, olhando pra ele, visivelmente desesperada.
Daí botou a cabeça no ombro dele, ficando quietinha, enquanto a música foi aumentando, os sentidos ficaram confusos, ele se sentiu aéreo e o corpo dela foi ficando mais pesado.
Jean a balançou e nada dela se mexer, assustado começou a chamá-la e nada, então afastou Kylie, ela tinha os olhos petrificados, além da pele branca, desesperado, passou a mão pela testa dela, mas a temperatura da morte já tinha se espalhado pelo corpo. Ela empalideceu tanto que ficou parecendo a Musa Impassível, então os panos dela ficaram maior, virando uma veste única, agarrada no corpo.
“É aqui mesmo que moro, esqueceu, louquinho?” – A voz de Kylie ecoou na mente dele, daí ela virou mármore até se transformar por completo na estátua da Pinacoteca.
Jean a puxou, tentando afastá-la, mas precisou de ainda mais força, Kylie estava pesando uma tonelada, então viu que ela tava perfurada, instantaneamente despertou do torpor e sentiu o sangue gelar.
Uma… duas… três… quatro lanças a tinham perfurado pelas costas, bem na região do abdômen, ele fez um pouco mais de força e ela explodiu em diversos pedacinhos, enchendo o ar de poeira e cacos de mármore, aí deu pra ver que as facas também o tinham atravessado.
A risada cristalina de Kylie se espalhou no ar, até ir rasgando, se fundindo numa gargalhada macabra.
Uma mariposa-bruxa surgiu, na hora ele lembrou da que viu ao acordar, assim como da crença popular que ela é associada à má sorte e a morte – assim receber a visita de uma é vista como premonição de falecimento.
Várias delas começaram a surgir, extremamente agitadas e num número cada vez maior, até formarem uma sombra, de onde saiu aquela coisa preta que ele viu no orelhão. Um cheiro desagradável – como se tivesse sido esmadas folhas de dama-da-noite – encheu o ar, até ficar insuportável.
Se desfazendo em medo, ele olhou pra baixo e viu os pedaços de Kylie jogados pra tudo que é lado, ela tinha voltado ao “normal”, deixando a cena ainda mais macabra, o sangue tinha espirrado nele, o banhando da cabeça aos pés.
— AAAAAAH!!! – Ele começou a gritar, sem conseguir parar, sentindo repulsa, enjoo e desespero nos maiores níveis de intensidade. As facas foram puxadas e uma dor profunda e insuportável o fez agonizar, enquanto jorrava sangue pela boca, então ele caiu no que restou de Kylie.
No pulso, o relógio marcava 6 pras 6, da manhã…
— …ainda falta 6…
Caído ali, a vontade de Jean era gritar, mas ele não tinha mais voz, nem vida, nem luz, tudo se perdeu em assustadoras trevas, rodeadas de gritos ensurdecedores.
Se isso era um sonho ruim, aquela era a pior hora do pesadelo, mas mesmo fazendo força não conseguiu acordar. Quando o olho abriu, o que viu foi tão assustador que nem mesmo no pior pesadelo tinha conseguido imaginar aquilo.
Todo lugar tinha mergulhado em trevas e chamas, assim como Kylie ele também tava esquartejado, os pedaços nadavam numa poça de sangue, seu olho se movia rapidamente, tentando compreender aquilo e ver aonde é que tava. A cabeça dele tava jogada num canto, sem o olho esquerdo, com metade da pele arrancada.
Foi aí que ele sentiu tudo a volta girar, um rosto assustador e deformado, derretido pelo fogo, sorriu diabolicamente pra ele, no mesmo instante Jean – ou o que sobrou dele, percebeu que estava suspenso pelas garras, feitas de faca.
A coisa balançou em negativa o dedo da outra mão, gargalhando com estrema vontade e jogou o olho na boca, mastigando vorazmente, com dentes pontiagudos e metálicos, a dor que Jean sentiu o fez notar o quanto aquilo, apesar de incompreensível, era real.
#papolivre
Diferente de outras histórias essa me levou por caminhos mais sombrios, ela foi minha primeira experiência com o gênero de terror, surgindo em 2010. Pose era pra ter saído a tempo do Halloween, mas a minissérie Encantado cresceu mais do que o planejado e acabou ganhando sua própria fase de terror, algo que surgiu naturalmente.
Nela, compartilhei algumas estranhas experiências. Wes Craven, criador de A Hora do Pesadelo, disse que história de terror funciona como treinamento pra psique humana, onde, mesmo, ameaçados por coisas terríveis, podemos ver o medo de forma controlável e pensar sobre ele, assim “histórias de horror não criam medo, apenas o liberam”.
Concordo total com ele, se bem que teve uma noite que mal dormi por causa do primeiro filme do Freddy Krueger, mas depois que me apossei do medo através da escrita ele deixou de assustar, bem como outras coisas cabulosas.
#proximaminisserie
Difícil é achar quem não goste de bolo, existem diversos sabores, formatos, mas todos tem o objetivo de adoçar a vida das pessoas, fornecendo energia, além de momentos prazerosos que ficam na memória e são resgatados quando sentimos o cheiro dele sendo assado, mas será que ele traz apenas coisas boas?
É o que você vai conhecer na minissérie Prestígio, que estreia semana que vem. Ela conta a história de Alexey e a garota incrível que ele conheceu e como, mesmo ele não sendo de se apaixonar fácil, ficou caidinho por ela.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.