Quem sou eu? Quem posso realmente ser?
Questionamento que beira a simplicidade,
Mas que não sei onde começa a resposta.
Enquanto pareço, ainda, ser tão comum,
Vejo-me em práticas que jamais imaginei.
O que antes era ódio agora paixão se faz,
Aquilo que me agradava, causa-me furor.
O bem que desejo, exatamente não faço
E o mal que detesto a prática se tornou.
Já não sou o que um dia acreditava ser,
Pessoas me olham e unicamente veem,
Aquilo que os olhos as podem mostrar,
Sem enxergar complexidade do abstrato,
O universo de indagações dentro de mim.
Perdi a forma, o tom, a cor, o som partiu;
Disforme ser, multifacetado em sombras.
Traído, quebrantado, caco do vaso de barro
Tornou-se pó, partículas sopradas, se foram;
Forma do impudico e palpável então tomei,
Do imaterial, alcancei imenso afastamento.
A forma que tomei ainda mais me deformou,
Perdi a essência, o perfume, deixei de exalar;
Sou apenas imagem de meus próprios medos,
Semelhança da dor que de constante aflige.
Quem sou e o que mais ainda posso desejar?
Penso dia algum será decifrado esse enigma.
Quanto mais tento ocultar, da visão, defeitos,
Mais evidentes e deformados eles se tornam.
O que desconfiam pode realmente ser o que é,
Já o que se aguarda, é aquilo que já nem sou.
Sigo em indagações que apenas embaraçam,
Enlaçam, fazendo me perder dentro de mim.
Percebo que dúvidas não fazem pensar mais,
Servem apenas pra anular certeza e propósito,
Mostrando a dimensão da ignorância minha,
A pequenez de uma disforme alma obstinada.
#papolivre
Existe em nós uma violenta briga entre o superego (desejo de fazer apenas o que é certo) e o id (aquele que induz aos prazeres e impulsos), no meio desse fogo cruzado se encontra o ego (quem pesa razão e emoção, pendendo pra um lado ou outro). Essa batalha que travamos todos os dias – e não é vista por ninguém – foi definida por Paulo como o caos interno resultante da luta entre a carne (matéria deformada) e o espírito (o intangível que nos liga a D-s) pra gente não fazer nossa própria vontade [Gálatas 5.17] – algo melhor contextualizado no artigo “A falta de sentido e humor da vida“.
É provável que a carta aos Gálatas tenha sido escrita entre 49 e 55 d.C., já Sigmund Freud publicou a revisão final de “O Ego e o Id” (“Das Ich und das Es“) – livro que trouxe os três componentes estruturais da psique humana – em 1923, ou seja, quase 1900 anos depois. Quando se trata de mente (coração), a Bíblia destaca-se por trazer conceitos com mais profundidade que a própria ciência da mente, a psicologia – do grego psykhe, “alma, mente”, e logia, “estudo, tratado”. Ela alerta pro abismo de perversidade a existir na sede dos sentimentos [Jeremias 17.9], que pode contaminar nossas ações e palavras [Mateus 15.11, Marcos 7.15], porque o que sai da boca é consequência do que preenche a mente [Mateus 12.34].
Alguns povos antigos, tinham o coração como o órgão de maior importância, por considerá-lo a fonte das emoções e memória. O conhecimento moderno da medicina localiza o coração – como origem das emoções e decisões – no cérebro, com ambas as partes funcionando em harmonia, ao invés de ter alguma dominante. Apesar disso, existe uma ligação precisa entre ambos os órgãos, resultando em processos emotivos que podem somatizar pelo corpo – conforme alerta o artigo “Larga mão do sofrimento e aprende de vez” – caso a gente guarde o que não convém – algo que a crônica “O peso de não perdoar” reforça. Por isso, é preciso protegê-lo do que nele tenta entrar – como adverte o poema “A esperança atrás da porta” – não só por ele ser responsável por guiar nossa vida [Provérbios 4.23], também por refletir aquilo que somos [Provérbios 27.19] – daí a razão dele ser pesado [Provérbios 16.2] com nossas motivações mais íntimas [Provérbios 21.2] pra se alcançar a vida pós-morte.
Algumas vezes a gente acaba fazendo o que não quer ao invés do que gostaria [Romanos 7.15,21], mas sofre as consequências do mesmo jeito [Gálatas 6.7], também pode ter a mente tomada pelo arrependimento por não fazer o certo ou aquilo que foi planejado. Ainda que o erro aconteça – já que nossa humanidade é sujeita as falhas [Mateus 26.41] – a gente não deve tomar a forma que deforma, mas mudar, tendo novas atitudes através da renovação da mente [Romanos 12.2]. Ou seja, não podemos deixar que uma falta defina o nosso caráter, mudando a mente e o que ocupa os nossos pensamentos [Jeremias 29.11], focando nas coisas eternas [Colossenses 3.2] que trazem esperança [Lamentações 3.21-24].
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.