Sobre a mesa me debruço pra ver
Que distante mais um dia se foi,
O que restou foi apenas torpor.
A lucidez que se achega sufoca
Trazendo sofrimento e amargor.
Sobrevivendo como não deveria
Reduzo a entulho, fragmentos
Imensa quantidade de tempo.
Reflexão impulsiona a viver,
Mas suficiente não é a carga
Pras sinapses poder atingir.
O que não sonha morto está,
Mas será que consegue sonhar
Quem já morreu ou de sonho
Morre aquele que não viveu?
Seria a composição desta vida
Feita de infindas indagações
Ou por ausência de respostas
Que nos negamos a enxergar?
Meus olhos buscam beleza
Que me impossibilita viver,
Mas sigo, triste, numa alegria
Quase sempre a desvanecer.
Ainda a contemplar a tarde
Que se foi sem mais retornar,
Vi, despontar no azul-celeste,
Manhã [des]esperança trazer.
Da janela se aproxima aurora,
Tão perto que a posso tocar,
Através das cortinas ela chega
Assustado, tento me afastar,
Mas, surdos, os pés engessam.
Sob eles o assoalho dissolve,
Cabeça nas estrelas, pura luz
Tanto brilho chega a asfixiar,
Cego, luz alguma posso ver.
Cada brilho pela senda achado
Só serviu de tropeço, escuridão
Antes podia ver, agora não mais.
A síntese da vida só se refere a
Isso ou não pode ser sintetizada?
Se enquanto duvido é que penso
Por que me esvaziam as dúvidas?
Seria sempre árdua a resposta,
Não habitaria ela a simplicidade?
Contemplando a finitude se percebe
Que o mais além daquilo que existe,
O constante indagar, a desconfiança,
A relatividade presente tem a ver
Com perda e desgaste de tempo
Que permitir a plenitude vivenciar.
Singeleza traz maior alento na dor
Que o acúmulo de conhecimento
A resultar em agudeza de angústia.
Por que saber o modo que viverei?
Já me basta a fragilidade do ser,
Ingratidão que se revela no olhar.
Torpor, forma de encarar a vida
Sem dor é mentira, puro engano.
Torpor não é saída ou resposta
É apatia, amputa a percepção
Impedindo de se experienciar
Cada dor, conquista e sucesso.
#papolivre
Os caminhos percorridos podem nos levar a diferentes percepções resultando nos efeitos mais profundos, mas o prazer experimentado não significa que as escolhas realizadas sejam benéficas [Provérbios 14.12]. A fuga da realidade – seja ela qual for – pode até seduzir e trazer alívio, porém, a medida que vira rotina o paraíso se transforma em cárcere, aprisionando em suas dependências a liberdade. O escape se torna gatilho do torpor que anula vontades e dificulta a conversão dos passos através do arrependimento.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.