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Articulário: Derretendo de tanta beleza - .inversivel
Articulário: Derretendo de tanta beleza
Ayo Ogunseinde/ Unsplash

Derretendo de tanta beleza

“A beleza que ilumina vem de dentro, não de um ofuscante exterior.”

Mishael Mendes [Mateus 6.22]

Por todos os lados

De todos os animais, o ser humano é o mais afetado pelas influências da beleza. Seu fascínio causa admiração, levando a um estado de contemplação onde experimentamos os efeitos de sua harmonia; o problema é que costumamos confundir beleza com aparência e quando alguém atraente surge, acaba agitando as pessoas. Apesar de ambas as palavras parecerem sinônimo, há uma grande diferença entre as duas, enquanto aparência desperta desejos através da estética e do sex appeal, o belo atrai pro que só tocamos com a contemplação.

Esse conceito de beleza ter a ver com aparência se propagou tanto que até a arte – que devia celebrar a essência – se contaminou com o efêmero. Nem mesmo  a poesia de Vinícius de Moraes escapou, como vemos em “Receita de Mulher”, cujo machismo estrutural oculta, com palavras encantadoras, a exigência de um padrão de beleza estética e comportamental. Mas o máximo que o exterior faz, é chamar a atenção através de ostentação, falta de pudor e modos ou pelo uso de melancia no pescoço.

A justiça não é cega

Fascinadas com esse fenômeno, as psicólogas sociais Lisa Slattery Walker e Tonya Frevert, da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte, nos EUA, revisaram diversos estudos sobre o tema realizados nas últimas décadas e lançaram a pesquisa “Physical Attractiveness and Social Status” (em livre pt-BR: “Atratividade Física e Status Social”, de 2014), onde chegam a várias conclusões sobre a influência da atração física em áreas como empregos, crime, avaliação de desempenho, poder e percepção de saúde – onde foram encontradas inúmeras vantagens.

Começando pelas escolas e universidades, alunos bonitos são considerados pelos professores como mais competentes e inteligentes – algo que lhes dá mais confiança e acaba por se refletir nas notas e no resto de suas vidas – como destaca Frevert, “ocorre um efeito cumulativo: ao ser bem tratado, você se torna autoconfiante com pensamentos mais positivos e mais oportunidades pra demonstrar sua competência”. Em relação ao trabalho, funcionários mais atraentes tendem a conseguir uma ascensão mais rápida e ganham de 10% a 15% a mais que os colegas fisicamente desinteressantes.

Até mesmo os tribunais não estão livres de sua influência e a balança da Justiça acaba pendendo pros atraentes. Conforme um estudo realizado pela Universidade de Bath, na Grã-Bretanha, réus bonitos têm maiores chances de obter penas mais leves e até serem absolvidos por júris populares porque são considerados menos culpados que os feios. Além disso, quando um indivíduo atraente entra com um processo, além da probabilidade maior de ganhar a causa, recebe uma indenização melhor.

Atração fatal

Algo comum nas noites de verão é o número de mariposas que parece se multiplicar do nada, bastam as luzes acenderem pelas ruas ou casas que elas surgem. Esse magnetismo exercido pelas lâmpadas acontece devido à orientação transversal, um sistema que consiste em utilizar o brilho da lua pras borboletas noturnas se localizarem no ambiente e manter a trajetória de voo conforme a rotação da terra. Como elas não conseguem distinguir o brilho da lua da luz artificial, luzes fortes acabam por atraí-las e as deixam sem rumo, presas num looping infinito de giros.

Embora não tenham escolha, o fascínio de se deixar guiar pela aparência pode ser mortal pras mariposas, como lembra Leonardo da Vinci na fábula “A Mariposa e a Vela“. Nela uma mariposa livre acaba atraída pela chama da vela, resolve atravessar sua luz e isso acaba lhe custando a vida. Já na realidade, a mania de perseguir a luz as deixa expostas a predadores que as devoram com facilidade – isso se não acabarem torradas – prejudicando sua evolução.

Mariposas em busca de luz

Da mesma forma, o viés que “tudo o que é bonito é bom” torna a aparência atrativa, somos levados pelo inconsciente a valorizar a estética, feito mariposas em busca de luz. Algo que pode ser perigoso, levando a nos envolver com pessoas vazias que não sabem demonstrar sentimentos, abusivas e até mesmo entrar num relacionamento tóxico; ou nos deixar manipular por amigos. No meu tempo de colegial, havia em nossa sala um garoto considerado bonito e inteligente, que era maior boróca, na real ele era esperto – não inteligente. Quando não entendia algo fazia alguém perguntar por ele ou fingia esclarecer a dúvida de outro colega, assim, além de sustentar sua fama de inteligente, ainda parecia alguém preocupado em ajudar o próximo.

A crença de que “tudo que é belo é bom” é bastante utilizada por psicopatas e conquistadores pra tirar proveito e vantagem das pessoas, embora o segundo grupo só precise de lábia, a aparência facilita o processo. Diferentemente das belas Amorphophallus Titanum e Rafflesia Arnoldii, que apesar de exalar um cheiro podre que lhes rendeu o apelido de flor-cadáver, mas não causam dano nenhum, pessoas que abusam da aparência são sepulcros caiados, cuja podridão interna pode até não ser perceptível [Mateus 23.27-28], mas é mortal.

Problema de saúde pública

A atração da beleza está tão enraizada em nosso subconsciente que alguns cientistas a consideram biológica, já que não precisa ser ensinada, surgindo nas primeiras interações de um bebê com o mundo. Sabendo disso, a indústria da moda e estética se aproveita pra estimular o consumo de roupas, cosméticos, alimentos, processos cirúrgicos, equipamentos e fórmulas pra aumentar seu faturamento. Algo que a propaganda começou a reforçar a partir da década de 1970, como sinônimo de saúde e sucesso, onde revistas serviam de mapa, como destaca José Luiz Aidar Prado, em “Convocações biopolíticas dos dispositivos comunicacionais“, de 2013. Onde apresentam uma beleza irreal, com modelos que não respeitam a diversidade de biotipos, com silhuetas magras demais ou excesso de músculos, cujas imperfeições são retocadas com maquiagem e Photoshop. Tornando o processo já difícil de ser alcançado, ou mantido por muito tempo pela maioria, em algo impossível de conseguir sem prejudicar sua saúde física e mental.

Mesmo assim as pessoas estão mais preocupadas com a imagem de seu corpo, graças as redes sociais, onde influencers replicam padrões doentios e inalcançáveis que causam ansiedade e estresse. Perigosos a ponto de levar a depressão ou fazer as pessoas arriscarem a saúde e a própria vida buscando alcançá-los, algo que atinge mesmo os que já possuem boa aparência. Como destaca Frevert, “se você ficar obcecado com a beleza, isso pode alterar suas experiências e relações”. Algo denunciado por Naomi Wolf, em “O mito da beleza” (“The Beauty Mith – How Images of Beauty Are Used Against Woman“, de 2002), e Augusto Curry, em “A ditadura da beleza e a revolução das mulheres“, de 2005; onde criticam como o culto a estética e o superficial destroem a saúde das mulheres.

A maldição da aparência

Apesar de todos os benefícios que a boa aparência pode proporcionar, ela também possui suas próprias maldições. Por ser considerada sinal de saúde, doenças de pessoas bonitas não costumam ser levadas a sério por médicos, algo essencial na identificação de alguma coisa grave. Enquanto homens bonitos são considerados bons líderes, o mesmo não acontece com as mulheres, cujas chances de conquistar cargos elevados são reduzidas. Também pode despertar sentimentos negativos, se numa entrevista realizada por alguém do mesmo sexo, o candidato for considerado mais bonito que o recrutador, a probabilidade de contratação diminui.

Não sendo isso suficiente, ainda pode provocar solidão. É que mesmo a aparência nos atraindo, ela pode ser intimidadora, segundo Frevert: “o fato de uma pessoa ser atraente pode transmitir uma noção que ela tem mais poder sobre o espaço à sua volta, fazendo os outros sentirem não poder se aproximar”; assim, ao ver uma mulher bonita na rua as pessoas tendem a manter distância. Já em sites e aplicativos de namoro os que aparentam ser lindos conseguem menos pretendentes que aqueles com imperfeições, seja pelo fator intimidante, também porque a pessoa pode não ter moral, ou não ser levada a sério, já que pode catar qualquer um. Uma aparência perfeitinha demais causa distância, por isso Bela, de “A Bela e a Fera” (“Beauty and the Beast”, de 1991), teve a aparência alterada pra facilitar criar conexão com os expectadores, como revela Emily Zemler, em “Disney Princess – Beyond the Tiara” (em livre pt-BR: “Princesas Disney – Por trás da tiara”, de 2022).

Beleza é essência

Enquanto o bonito traz ideia de equilíbrio, proporção, simetria e estética; beleza está mais ligada a harmonia, satisfação, perfeição, além de conter o bom, conceito esse existente desde que a palavra surgiu. Beleza é a atribuição do belo, que vem do latim “bellus”, significando “lindo, bonito, encantador”; e descende do indo-europeu dw-eye, que gerou os termos bônus, “bom”, e bene, “bem”. Ela desperta admiração, grandeza, nobreza, prazer. No livro “História da Beleza” (“Bellezza – Storia di un’idea dell’Occidente”, de 2002), o escritor italiano Umberto Eco aborda a beleza através das épocas que a traduziram como graça, maravilhamento, o sublime que encanta e a sua ligação com o bom.

Beleza não se trata de algo que precisa ser dito, é evocada, percebida e experenciada. Ela surge da harmonia que causa prazer aos olhos e ao coração, sendo a essência nem sempre é encontrada na estética atraente, por isso, mesmo alguém bonito pode não ser uma companhia agradável, enquanto muitos que não são o típico padrãozinho possuem uma presença magnética. Como Lizzie Velasquez, que recebeu o título de “a mulher mais feia do mundo“, devido a uma condição genética rara que a impede de engordar e que deformou seu corpo, mas possuindo uma beleza que vem ensinando o poder transformador da compaixão através de palestras e de seus livros, como em “Demasiado frágil” (“Dare to Be Kind“, de 2017).

Beleza nos olhos

Somos doutrinados pela mídia a dar importância ao que enxergam nossos olhos físicos, ao invés do coração, porque o primeiro percebe as coisas numa velocidade maior, mas essa visão não consegue captar a essência; como disse Antoine de Saint-Exupéry, em “O Pequeno Príncipe” (“Le Petit Prince“, de 1943): “o essencial é invisível aos olhos”. Por mais poética que a frase “a beleza está nos olhos de quem vê” possa parecer, ela não está correta. Beleza não é algo que se adquire com o tempo, maquiagem, enfeites e roupas elegantes, nem com processos cirúrgicos ou malhação, ela se encontra em cada pessoa [1 Samuel 16.7], basta querer enxergar tanto no outro quanto em nós mesmos. Segundo Platão, a beleza está ligada a essência universal e independe de quem a observa, ela surge na criação; a aparência do que existe na imperfeição do “mundo sensível” é apenas cópia e sombra [Colossenses 2.17] do que existe na perfeição do “mundo inteligível”.

Por melhor que editores de fotos ou makes sejam, só conseguem destacar a estética, afinal, ainda não existe outra forma de capturar nossa beleza a não ser com o coração. Aceitar essa verdade e viver por ela faz a gente encontrar uma beleza que não se desfaz no tempo [1 Pedro 3.3-4] e passamos a emitir um brilho e segurança que atrai as pessoas. Caráter, simpatia, empatia, compreensão, comprometimento e companheirismo são características muito mais encantadoras e duradouras que barriga chapada ou bronzeado. Afinal, beleza não consiste na quantidade de olhares que alguém atrai, mas pelo que nos faz sentir ao seu lado.

Metamorfose ambulante

A supervalorização da aparência nos torna intolerantes e cria distância, trazendo danos pra ambos os lados. Por mais belo que alguém seja, aquilo que encanta e desperta a vontade de permanecer ao seu lado é a luz em seu interior – a isso chamamos beleza, algo que Lizzie tem de sobra. Também não é algo que dê pra confiar porque essa metamorfose não fica estacionada no tempo. Se hoje ter uns quilos a mais não é esteticamente desejável, na Grécia, entre 500 a 300 a.C., assim como na renascença italiana, entre 1400 a 1700, o ideal de saúde, que tornava alguém atraente, era um corpo de proporções fartas.

Ao longo do tempo a beleza sofreu mutações que fizeram o valor que um dia foi atribuído a alma e sua sensibilidade ser trocado pela supervalorização e o culto ao corpo e a personalidade, onde a elegância foi sendo substituída pela banalização dos processos cirúrgicos, ligada aos padrões estéticos doentios e aos cuidados excessivos com o corpo. Enquanto a perseguição pra eliminar a feiura e a luta pra driblar o envelhecimento se tornou objetivo de quem quer viver mais e com qualidade, pois não fazer isso é o mesmo que ir em direção a solidão e o fracasso. Inclusive, a aparência já foi até usada como instrumento de poder e moeda de troca em diversas sociedades, como destaca Denise Bernuzzi de Sant’Anna em “História da Beleza no Brasil“, de 2014.

O belo é difícil

Em “A República” (“Politeía”, de 370 a.C.), Platão diz que “o belo é difícil”, e faz isso utilizando um jogo de palavras, já que no grego as duas são parecidas, belo é “kalós” e difícil “kalepós” – algo que pode ajudar a expressar o mistério da beleza em suas inúmeras formas. Por se encontrar no imaterial, mesmo a percebendo, não há formas de tocar a beleza, apenas a experimentar por processos cognitivos, mentais ou espirituais, percebidos no que nos afeta além da aparência.

Pra Sócrates, o belo não está associado à aparência, ele é útil e surge de um ideal que já existe em nós, assim, artistas os tentam reproduzir através do que conhecem, visando se aproximar ao máximo desse mais além. Já pra Aristóteles, a beleza surge apenas de algo que consegue promover a catarse em seus admiradores, ou seja, purificar nossas almas e mentes das idealizações da aparência e das sombras desse mundo repleto de imperfeições.

Artigo publicado originalmente no LinkedIn, também está disponível no Medium.


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Ósculos e amplexos,

Mishael Mendes Assinatura
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