Articulário: Empoderados pelos hormônios
Ali Jouyandeh/ Unsplash

Empoderados pelos hormônios

“O segredo de enfrentar desafios é fazer o que se gosta, isso libera hormônios que ajudam a suportar a coisa toda.”

Mishael Mendes, Interrompido – A curva no vale da sombra da morte

Correio elegante

O mês de junho passou, mas as festas caipiras continuam e a gente segue tentando participar do maior número possível delas pra recuperar o tempo perdido que a quarentena e o afastamento causou – ainda mais porque, como brasileiros que somos, adoramos uma boa desculpa pra comemorar. Durante essas festas algo divertido quanto as danças são os torpedos de amor que costumam ser enviados, alguns com recados de carinho, outros com declarações, gracinhas e pedido de desculpas – tem até quem aproveitou a onda pra anunciar assalto. Seja qual for o motivo, as entregas costumam ocorrer apenas durante essas comemorações, depois ninguém sabe, ninguém viu, o formato de entrega simplesmente desaparece.

Mas existem mensageiros que trabalham 24 horas, num compasso mais preciso que relógio suíço; movimentando mecanismos internos pro correto funcionamento do corpo. Essas substâncias químicas afetam e gerenciam centenas de processos corporais envolvendo, muitas vezes, uma reação em cadeia que estimula diversas outras substâncias.

Olha a mensagem

Secretados pelas glândulas, os hormônios são responsáveis por coordenar diferentes funções físicas e mentais do corpo, “em muitos aspectos, os hormônios controlam tudo”, como afirmou a Dra. Melissa Katz; eles carregam informações através do sangue pros órgãos, pele, músculos e tecidos. Além de controlar funções básicas como fome, sono e o fornecimento de energia. Entre seus diferentes tipos, se destacam os neurotransmissores, responsáveis pelas sensações prazerosas ao experimentarmos a profundidade de um sentimento ou quando o relaxamento se espalha após o desgaste físico trago pela realização de algum exercício. O equilíbrio dos neurotransmissores é essencial pro bem-estar geral.

O termo hormônio foi criado por Ernest Henry Starling quando, em 1902, identificou a substância com ajuda de William Bayliss. A palavra vem do grego hormon, “animado, colocado em movimento”, do verbo horman, “excitar, produzir movimento” e se relaciona a raiz indo-europeia *ser (fluxo). O nome foi escolhido por exercerem ações por todo corpo provocando movimento.

Não só de paixão vive a falta de apetite

A paixão ocupa os pensamentos, nos deixando sem fome ao alimentar o desejo de encontrar a pessoa amada. O mesmo acontece quando nos empolgamos com algo, e ainda que trabalhar cause desgaste físico e até psicológico, no momento em que nos dedicamos ao que gostamos isso potencializa a liberação dos hormônios; possibilitando a suspensão do tempo. Tal abstração leva a desconsiderar os demais estímulos, ruídos e ignorar até mesmo necessidades fisiológicas, como a fome, pra seguir por horas numa tarefa.

Por isso, mesmo desempenhando uma atividade estressante, alguns passam anos no mesmo emprego. Já quando não encontramos prazer nas atividades diárias é preciso recorrer à técnica de atenção plena (mindfulness) pra aprender a ignorar as distrações e conseguir qualidade no que é produzido.

Vendo passarinho verde

O pássaro nem precisa ser colorido ou passar de uma expressão. Desempenhar algo que gostamos proporciona bem-estar e melhora o humor, já que a dedicação fará hormônios serem liberados. A palavra humor vem do latim tardio humor, humoris, “molhado, líquido, úmido”, do verbo umeo, que significa “ser encharcado”. Os gregos acreditavam que o corpo humano era preenchido por quatro líquidos básicos, os humores. Assim, se alguém tinha os líquidos em equilíbrio é porque estava de bom humor.

Devido à quantidade de hormônios liberados, pessoas bem-humoradas dificilmente adoecem. Estão sempre aptas a doar alegria e conseguem resolver problemas com tranquilidade e calma. Além de trazer benefícios pra quem os cerca, atraem outras pessoas felizes.

Codinome felicidade

Entre os neurotransmissores se destacam o quarteto – ou tétrade – da felicidade, composto pela dopamina, endorfina, ocitocina e serotonina. A dopamina é liberada ao alcançar um objetivo ou completarmos uma tarefa com qualidade, também atua no controle dos movimentos, aprendizado, cognição e memória. Enquanto a endorfina serve de analgésico pra dor, estresse e desgaste físico, causando alívio pro corpo se recuperar enquanto induz sensações de prazer, calma e ânimo – é um remédio natural contra a tristeza e a falta de disposição.

Já o “hormônio do amor“, como a ocitocina é conhecida, promove a sensação de confiança, auxiliando na criação de laços em relacionamentos; reduz a ansiedade e proporciona calmaria e segurança, tendo relação direta com os níveis de satisfação com a vida – além de estimular a serotonina e a dopamina, enquanto reduz a ansiedade. E por último, a serotonina que promove sensação de prazer e bem-estar, reduzindo preocupações e anseios; por equilibrar o humor, o apetite, o sono e a temperatura, sua ausência pode causar mau humor – ela ainda está associada ao aprendizado e à memória.

Mil e uma energias

Nossos cérebros funcionam através da experiência. Toda vez que os neuroquímicos surgem, conexões são feitas, assim conforme tornamos aquela atividade parte da rotina, os mesmos neurotransmissores são ativados. No fim, trabalhar com o que gostamos acaba por ser mais desgastante, mas extremamente prazeroso porque cada conquista revigora o corpo e aumenta a autoestima, nos levando a atenção sustentada. Que direciona a maioria de nosso processamento cognitivo pra realização de uma tarefa contínua por longos períodos sem distrações.

Esse processo de atenção sustentada foi nomeada “estado de flow” pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, que desde a década de 60 estudou a felicidade. Em seu livro “Flow – A psicologia do alto desempenho e da felicidade” (“Flow – The Psychology Of Optimal Experience“, de 1990) ele explica melhor como obter a concentração plena de maneira espontânea.

Alcançando o estado de iluminação

Esse estado de fluxo é uma condição altamente focada que nos torna mais produtivos e dispostos, e graças a carga extra de hormônios, nossa confiança aumenta e experimentamos o êxtase com a execução, enquanto a noção de espaço e tempo ou mesmo a fadiga são suprimidas. Quando nele, podemos até perder a consciência de nós mesmos e nem ser afetados pelo clima; focando na ação presente, sem qualquer interferência do meio. Essa euforia acontece com fluidez fazendo a experiência estimular novos potenciais, e a mente superar limites antes racionais ou controlados. Enquanto a percepção dos erros e ajustes necessários acontece de forma espontânea.

Jessica Pryce-Jones, autora de “Happiness at Work – Maximizing Your Psychological Capital for Success” (em livre pt-BR: “Felicidade no trabalho – Maximizando seu capital psicológico pro sucesso”), diz que “a felicidade no trabalho está relacionada com maior desempenho e produtividade, bem como maior energia, melhores avaliações, promoção mais rápida, maior renda, melhor saúde e maior felicidade com a vida”. Através de pesquisas realizadas por sua equipe com mais de 3.000 pessoas em 79 países, foi constatada a ligação da produtividade com a felicidade; funcionários mais felizes estavam 180% mais energizados e 155% mais felizes com seus trabalhos. E gastaram 80% da semana em tarefas relacionadas ao trabalho, enquanto seus colegas menos felizes, 40%.

Dividir pra conquistar

Pra alcançar esse estado, Mihaly concluiu que deve haver um equilíbrio entre o desafio proposto e o nível de habilidade possuído. Quando precisamos fazer algo repetitivo e fácil, nossa habilidade alta pro desafio nos deixa entediados ou causa apatia. Porém, se o desafio é maior que nossa habilidade, ficamos ansiosos e procrastinamos. Dessa forma, ambas as situações reduzem a produtividade e acabam com nossa qualidade de vida.

Por isso, se o desafio for maior podemos dividi-lo em metas de curto prazo, assim a progressão contínua irá promover o aumento da dopamina conforme se conclui cada etapa. Tornando a realização da tarefa prazerosa e motivando a continuar por mais tempo, já que tanto bem-estar nos causa.

Agora, se a habilidade for maior, é possível criar desafios pra ajustar a tarefa conforme nossa habilidade, tornando-a mais estimulante – como reduzir o tempo de sua execução ou utilizando soluções criativas. O importante é o desejo de realizar, porque segundo Mihaly, “somente através da disciplina livremente escolhida a vida pode ser apreciada e ainda mantida nos limites da razão”.

Sem cessar, sem parar, sem vacilar

Mantendo a proporção entre os dois, com o desafio um pouco acima da habilidade, a imersão acontecerá de forma natural, proporcionando maior produtividade e prazer. Porém, pra garantir que não haja desequilíbrio nos níveis hormonais que podem causar insônia, estresse, ganho de peso e mau humor – além de nos desmotivar, e até causar depressão em casos graves – é preciso se exercitar ou fazer um alongamento. Até uma caminhada de 10 minutos pode fazer maravilhas pro humor, então, imagine o que mais tempo não pode beneficiar o coração e a saúde?

Outras formas de aumentar a quadrilha da felicidade é tomando sol, ter uma alimentação saudável, dormir bem, passar momentos agradáveis com as pessoas que amamos e gargalhar. Além de ouvir música, cozinhar pra quem nos importamos e distribuir abraços – inclusive pro pet – ou mesmo fazer uma oração. Tudo isso permite o equilíbrio dos hormônios e nos deixa alerta, vibrantes e plenamente felizes. Já dizia Albert Schweitzer: “sucesso não é a chave pra felicidade; felicidade é a chave pro sucesso; se você ama o que faz, será bem-sucedido”, então que a gente deixe a felicidade nos conduzir.

Contextualizando

A frase que originou essa reflexão faz parte de “Interrompido – A curva no vale da sombra da morte“, uma minissérie que mostra que nossa humanidade é que nos leva a viver os desejos mais profundos e a cometer os erros mais insanos. Ela surge quando Luan fica sabendo há quantas horas a enfermeira vinha trabalhando; ao perguntar como ela consegue estar disposta por tanto tempo, Socorro responde que o prazer também está no processo, não apenas no resultado, mesmo ele sendo cansativo.

Artigo publicado originalmente no LinkedIn, também está disponível no Medium.


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Ósculos e amplexos,

Mishael Mendes Assinatura
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