Árvores não dão voltas na esquina
Árvores estão presentes em diversos mitos, por isso seus significados variam bastante. Na maioria das culturas, inclusive na Bíblia [Juízes 8.9-15, Salmos 1.1-3, Isaías 61.3, Ezequiel 17.24, Jeremias 17.7-8, Daniel 4.10-23, Mateus 7.17-20, Lucas 6.44-45, João 15.1-3] estão associadas à nossa psique e ao sobrenatural – ou mesmo a vida e a morte como o teixo. Devido as suas características de fertilidade, longevidade e renascimento e por conectar céu e terra por meio de galhos e raízes. Porém, mais que lhe conceder uma alma como o animismo faz, a ciência descobriu que elas falam, têm sentimentos, criam uma comunidade, possuem memória e até conseguem andar, como esclarece Peter Wohlleben em “A vida secreta das árvores“, (“Das geheime Leben der Baume“, de 2015).
Claro, nada como Vovó Willow, o salgueiro falante de Pocahontas ou como as árvores de “O senhor dos anéis” (“The Lord of the Rings“, escritos entre 1937 e 1949), que conseguem interagir e até guerrear, como Barbárvore. Os mitos ensinam que elas podem ser habitadas por ninfas que as protegem ou possuídas por espíritos – principalmente em árvores centenárias – as transformando em jovens sensuais que esmagam homens com seus galhos e os absorvem ao se aproximarem demais.
Em busca de simbiose
Nossa relação com as árvores é próxima desde que a humanidade surgiu [Gênesis 2.7-8] servindo de alimento [Gênesis 1.29], fornecem abrigo onde podemos relaxar sob sua sombra e como pulmões da terra – convertem dióxido de carbono em oxigênio através da fotossíntese – nos permitindo respirar. Acostumados a vê-las como algo que pode ser subjugado, as utilizamos pra produzir casas, móveis e até livros ou mesmo cultivar mobílias. Num futuro não tão distante, como mostra o documentário “O futuro” (“The Future Of”, de 2022), poderemos utilizá-las pra nos proteger da chuva e até iluminar – tornando real a ideia de Tolkien de árvores irradiando calor e grande luz.
Além disso, poderão ser utilizadas como meio mais eficiente e seguro pro armazenamento de fotos e informações pessoais, através do DNA, e até de dados bancários; ou mesmo conservando energia, como apontam descobertas da Universidade Estadual de Óregon (OSU) e da Universidade McMaster. Com tudo isso ninguém suspeitaria que possam tentar inverter os papeis e nos dominar. Não nos transformando em árvores, como acontece nos mitos greco-romanos e indígenas, embora o processo aconteça de verdade, de maneira lenta e dolorosa, mas de forma inesperada: possuindo corpos.
Corpo aberto
Invasão de corpos é um assunto sério que a ficção científica tratou de mostrar e reforçar quão ruim pode dar. Normalmente surgindo da moita como uma ameaça alienígena, ela pode atacar de cor invasora que não pode ser identificada ou descrita com precisão, como em “A cor que caiu do céu” (“The Colour Out of Space“, de 1927), cujo desespero é possível ver na adaptação “A cor que caiu do espaço” (“Color Out of Space”, de 2019). Até se passando por entidades ou vermes presentes em “Os invasores de corpos” (“Invasion of the Body Snatchers”, de 1978), “Seres rastejantes” (“Slither”, de 2006), “Invasores” (“The Invasion”, de 2007) e “A hospedeira” (“The Host”, de 2013) baseado no livro de mesmo nome, de 2008, da Stephenie Meyer.
Embora não dê pra saber se e quando algo do tipo vá acontecer, a forma de detectar essa ameaça é simples e ocorre através da identificação de comportamentos estranhos e incomuns. O problema é quando esse tipo de invasão não é extraterrestre, mas causado pelas árvores das quais depende nossa sobrevivência. Nesse caso, o melhor seria evitar isso seguindo o que nossas mães e avós aconselhavam?
As árveres somos nozes
Por mais absurdo que possa parecer a recomendação de evitar engolir semente pra não nascer um pé de fruta na barriga, isso pode não estar tão distante da realidade. Só quem ouviu esse conselho quando criança sabe os horrores que uma semente se aproximar da garganta causava, era melhor morrer estapeado pra cuspir o embrião da morte que arriscar engoli-lo por acidente – se todas fossem do tamanho do caroço de abacate, esses problemas não aconteceriam. Mas uma coisa que mãe ou vó nenhuma contou é que existe algo ainda mais perigoso e inesperado que engolir semente: inalar. E foi exatamente isso que aconteceu com um jovem russo de 28 anos.
No escurinho do pulmão
O ano era 2009, após passar um tempo com dores agudas no peito, falta de ar e de tossir sangue, Artyom Sidorkin foi ao médico pra descobrir do que se tratava. Porém, a situação incômoda se tornou assustadora após o oncologista Vladimir Kamashev, de Izhevsk, nos montes Urais, detectar uma mancha incomum através do exame de raio-x. Acostumado a ver casos similares de diferentes tipos de tumores, ele apontou se tratar de um câncer que precisava ser removido com urgência antes de ser tarde, então a cirurgia foi marcada.
Após retirar parte do pulmão esquerdo, Kamashev separava um pedaço do tecido removido pra biópsia quando encontrou algo que o fez acreditar estar alucinando e solicitar ajuda. Em choque, seu assistente confirmou ver o mesmo enquanto o médico piscava descrente que o suposto tumor se tratava de um ramo de abeto – planta do gênero Abies da família das Pináceas – de cinco centímetros.
Já imaginou se pega no olho
A dor e o sangue expelido por Vladimir eram provocados pelos galhos que feito agulhas perfuravam seus pulmões enquanto a árvore se desenvolvia. Apesar da experiência dolorosa o jovem nunca suspeitou haver um corpo estranho em si, se não fosse pela operação a coisa podia ter piorado, por isso, mesmo perdendo parte do pulmão, ficou feliz pelo problema não se tratar de um câncer maligno.
Como o ramo era grande demais pra ter sido engolido, a suspeita dos médicos foi do jovem ter inalado algum broto, enquanto respirava e após se depositar no pulmão a semente brotou se desenvolvendo normalmente. Mas, pra Peter Kotanen, pesquisador de ecologia vegetal na Universidade de Toronto em Mississauga, a história pode ser uma farsa já que sementes precisam de luz pra germinar e crescer, algo confirmado por Olga Baranova, da Universidade Estadual de Udmurt.
O impossível é só questão de opinião
Mesmo que isso acontecesse, a muda não chegaria no tamanho alcançado sem fotossíntese ou seria menos saudável porque, segundo ele, plantas que crescem no escuro não têm clorofila, “sendo amareladas e tristes”. Embora um porta-voz do Royal Botanical Gardens de Londres revelou ao “The Guardian” ser possível uma semente germinar nas condições úmidas e escuras do pulmão.
Já pro professor Sean Thomas, presidente de pesquisa do Canadá em florestas e mudanças ambientais na Universidade de Toronto, a temperatura do corpo humano não seria favorável pro desenvolvimento de uma espécie adaptada ao frio. Ele assume, porém, que a história não é de todo falsa, mas que um ramo de abeto pode ter sido inalado e se instalado no pulmão ou ido parar lá durante a operação.
História pra Pinóquio dormir
Tendo surgido no tabloide pop Komsomolskaya Gazeta e espanado pelo serviço de notícias russo Novosti, o caso levantou suspeitas, deixando muitos com um pé atrás – mesmo divulgado por veículos sérios – por circular no dia da mentira. Ainda mais porque agências de notícias russas são conhecidas por levar a sério as comemorações do 1º de abril, dando o máximo de credibilidade as pegadinhas, como pode ser visto na reportagem da ABC que relatou o ocorrido. Além disso, de acordo com um radiologista consultado pela CBC News, o raio-X mostrado parece ser de um garoto, não de um paciente de 28 anos.
Porém, se tudo não passou de uma farsa elaborada, isso não significa que as árvores não estejam tentando nos possuir. Como mostrou a repórter Jeanne Moos, da CNN, ao relatar o caso de uma garota da Califórnia de 16 anos, que tinha um ramo de pinheiro de 2,5 cm alojado no pulmão desde os dois anos após quase se asfixiar próximo à árvore-de-natal. E no ano seguinte, foi registrado o caso de Sveden, um morador de Massachusetts que lutava contra um enfisema há meses até seu quadro piorar e ele ser levado às pressas pro hospital com o pulmão colapsando. Ao invés de receber um diagnóstico de câncer, como esperado, o raio-x revelou o crescimento de algo em seu pulmão e a cirurgia removeu um pé de ervilha de 1,25 cm de uma semente que descera pelo lugar errado e brotou.
Quem vê fruta não vê caroço
Se a coisa funciona mesmo, quem sabe inalar semente de gergelim não faça nascer um pé de Big Tasty? Do jeito que a grana anda curta e os preços nas alturas, talvez valha a tentativa, se não der certo pelo menos a gente pode reproduzir a receita secreta de seu molho.
Utilizado pra evitar dores de cabeça através do medo, o conselho de nossas mães pra evitar a ingestão de sementes – principalmente a mais perigosa de todas: a de melancia – está entre o top três junto ao “se tomar banho na chuva adoece” e ao “não pode beber leite com manga porque morre” – mito esse desmitificado pelo garoto de “Calefrio“. Por mais apavorante e surreal que essa lenda seja, ela parece ter mais a ver com a forma que antes ocorria a explicação da gravidez pras crianças, já que o formato da barriga lembra a circunferência da fruta.
Como árvores crescem em qualquer solo, seja na terra, sobre pedras ou cascalho e até mesmo em pisos – embora precisem de nutrientes, água e sol pra crescer – não seria tão absurdo pra quem possui pouco conhecimento acreditar que uma árvore possa crescer em nós, assim, o barrigão podia ser o resultado de uma semente que brotou e cresceu até tomar circunferências da fruta madura. Talvez se as mães tivessem explicado que semente transformada em bebida alcoólica tem o mesmo efeito, não teríamos tantas barrigas de chope abundando pela sociedade.
Sonho no caroço de abacate
Na real, quando ingeridas, sementes costumam descer pro sistema digestivo de onde são eliminadas do corpo. Engolir caroços de forma acidental ou não, geralmente não prejudica a saúde, muito menos faz nascer um pé de fruta na barriga, nem provoca apendicite. A inflamação do apêndice não é causada por sementes que nem chegam lá, mas pelo excesso de muco vindo do estômago que o obstrui ou por seu aumento. Ao contrário do que se imagina, a ingestão de sementes pode ser até benéfica ao fornecer mais nutrientes e vitaminas que a própria fruta – como a chia, usada pra compor receitas deliciosas – o esquema é só evitar os exageros.
O caroço do abacate, por exemplo, possui 70% mais antioxidantes – os responsáveis por combater o envelhecimento – que a fruta. Já a semente de melancia, que costuma ser desprezada, traz diversos benefícios, inclusive pra gravidez. Por ser rica em vitaminas e sais minerais, como vitamina B, magnésio, gorduras monoinsaturadas e poli-insaturadas, ajuda a nutrir cabelo e unhas, e a manter a pele saudável. Uma única porção da semente contém 10 gramas de proteína, a melhor forma de absorver seus nutrientes é batendo-as no liquidificador com a polpa ou as mastigando, pra isso basta deixá-las secar e descascar. Já pro caroço de abacate, basta ralá-lo e utilizar a farinha resultante no preparo de shakes nutritivos.
Maçã envenenada
Com inveja da beleza da enteada, sua madrasta manda matá-la, mas a beleza de seu coração é maior e acaba salvando Branca de Neve. Achando que serviço bem feito é aquele que a gente faz, a madrasta má resolve ela mesma dar cabo da princesa e lhe oferece uma maçã envenenada, que faz a garota cair mortinha da silva após dar uma mordida na fruta. Tudo bem, dentro da verdade dos contos de fadas, a garota apenas engasgou e o príncipe a desentalou com o beijo de amor – ou seria língua de amor? – mas maçãs podem ser envenenadas real, mesmo sem precisar de bruxaria ou qualquer encantamento pra isso.
Dentro de suas sementes existe um composto tóxico chamado amigdalina que ao entrar em contato com algumas enzimas do nosso organismo libera cianeto, algo que pode ser venenoso e causar falta de ar e convulsões, até ser mortal mesmo em pequenas quantidades. Mas engolir algumas sementes por acidente não faz mal, pra isso acontecer seria necessário comer 200 sementes de maçã, conforme um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. A mesma substância está presente no caroço de cereja – eu já não esperava nada de bom mesmo de uma fruta ruim e cara que costuma ser substituída por bala de goma – assim como na semente do damasco, do pêssego e da pera.
Plantando confusões
Falando de sementes envenenadas, nenhuma ganha da castanha de caju – sim, a queridinha das dietas fitness e absurdamente cara – é a mais prejudicial ao organismo. Ela possui a toxina urushiol, que pode gerar dermatite ou inflamações na pele e até levar à morte. Pra evitar isso basta consumi-la após ser torrada, pois o processo remove os componentes nocivos das sementes.
Essa crônica não era pra passar da atualização de uma postagem escrita em 2011, mas conforme fui editando ela tomou forma própria assim, ao invés de atualizar algo antigo pra poder citá-lo, o material assumiu o mesmo formato dos Articulários se tornando um conteúdo elaborado pra explanar um pouco das crenças que recebemos e acabamos por propagar mesmo sem fazer sentido. Que nossa viagem por tempos e espaços distantes tenha ajudado você a dar menos valor aos mitos e mais as sementes que podem nos ajudar a ter uma vida mais saudável e semear na mente o espírito crítico de não apenas aceitar, mas verificar a veracidade de cada fato. Como era o desejo dos pais da filosofia, conforme comentado aqui. Se for pra crescer em nós, que seja como o pé de Jão cujo feijão meteu a cabeça nas nuvens, mas se mantendo firmado no chão.
Fortalece a firma
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Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.