Tempo, escorrendo pelas mãos,
Entre os dedos segue a escapar,
Sem que nada lhe possa suster.
Partindo ausenta, quando vejo
Em distância já se fez conhecer,
Obrigando o outono enfrentar.
Queria é habitar em primavera,
Envolvido pela brisa e ventania,
Mas temo o abraço do inverno.
A força do tempo move o mundo,
Todo universo e as constelações,
Conduzindo a luz ao seu destino.
Raiando, entre a escuridão, segue
Através da janela, ilumina morada,
A despertar lembranças distantes.
A força que move as ondas no mar,
Faz girar o mundo a buscar por ti,
Mesmo assim, sem jamais te tocar.
Tempo que estabelece as divisões,
Momentos e metades de inteiros,
A colocar vestígios no firmamento.
Da noite ao dia tua aurora socorre.
No ressoar de tua voz há estações,
Ondas a irradiar do astro dourado.
Instante que antes ninava canções,
Embalava em suas notas quimeras,
Pela árvore vida derramou jardim.
És tu o responsável pelas erosões,
Também o culpo pelo cinza nos pés
A correr na imensidão descampada.
Infância de uma saudade bendita,
Que se fez perdida, já sem voltar.
Por maior que seja o meu querer
Sei não poderás mais regressar,
Também parado não te deterás,
O que resta é vivenciar instantes.
Tempo, estende raízes em versos,
Me alegra saber: teu outono virá,
Secando a erva, as flores cairão.
A eternidade só dura um instante,
Tempo suficiente pra fazer sorriso
Se tornar inesquecível lembrança.
#papolivre
Ah, o tempo! Éter que em mistério se contabiliza em gotas de segundos, horas, dias, enfim, num cálculo que apesar de registrar sua passagem não pode ser detido ou dominado. Sem ter quem o possa controlar, segue apressado pro que já se determinou desde o princípio [Isaías 46.10]. Os gregos reconheciam sua força através da mitologia, onde a divindade que o representava, Cronos, tinha poder sobre tudo, mas não podia ser derrotada – o fato de devorar os próprios filhos, simbolizava sua força em reger destinos até tudo devorar.
Mas sua fome insaciável em consumir a matéria não nasceu consigo, surgiu como causa de desobediência [Gênesis 2.16-17, 3.17-19], cujo erro fez cair a dimensão temporal numa direção que leva ao fim da matéria até retornar de onde foi tirada [Eclesiastes 12.7], já que esse é o destino de quem chega a essa dimensão [Eclesiastes 3.20]. Ainda assim, a humanidade vivia como se não fosse ter um fim, numa existência onde era comum passar dos 900 anos [Gênesis 5.5,8,14,20,27] – algo documentado pelos povos orientais, que recorda de uma era de ouro, onde a partida desse plano se dava em paz, sem sofrer os danos do envelhecimento.
A expectativa de vida era como das árvores – que vivem muito, como lembra a crônica “Árvores que possuem corpos” – só que os excessos, e a entrega aos prazeres, carregaram esse alargamento de anos com depravação a ponto do sentido de uma longa existência se perder, provocando sua redução [Gênesis 6.1-3]. Embora a aplicação dessa sentença tenha se cumprido ao longo das eras [Gênesis 9.28], sua execução trouxe o envelhecimento, que resulta na deterioração, sendo transmitido pelos genes com a ajuda de doenças hereditárias que fazem o corpo definhar no tempo – ainda que a alma não envelheça, como destaca o poema “Cansado, ele foi pedalar a liberdade“. Isso trouxe tamanho peso – com os processos que precisamos passar, destacado no artigo “Enfrentando o processo com o mar nos olhos“, e as aflições prometidas [João 16.33] – tornando o alongamento da permanência na dimensão temporal enfado e canseira [Salmos 90.10].
Apesar de existir quem condena o tempo, ele é o melhor presente recebido pela humanidade, pois evitou uma condenação eterna, possibilitando a chance de rever nossos passos e mudar a direção [Provérbios 14.12], corrigindo a rota [Mateus 7.13-14] pro caminho que conduz a salvação [João 14.6]. Mas enquanto matéria decaída, sofreremos todas as consequências que se estendem por sua passagem.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.