Não faço questão de ficar,
Muito menos permanecer,
Nunca nem liguei pra isso.
Se a existência não bastar
Todas as coisas evaporam,
Se vai desejos e vontades,
Até mesmo a companhia,
Que antes era o presente,
Em passado se fez alterar;
Suposições que se criaram
Tudo aquilo que é líquido
No tempo irá desmanchar.
Consideração não negocia
Ou há, ou ela nunca existiu,
Às vezes distância é toda
Resposta que precisamos.
Se dissipam todas certezas
E os restos de expectativa,
Cada plano e as emoções
Por mim tão arquitetados.
Porque já não faz sentido
Permanecer onde a gente
Não cabe mais, nem onde
Não há encaixe e se sobra;
Onde o que restou é só pó
Depositado nas memórias,
Onde a ação de relembrar
Sobrecarrega lembranças
Com um ideal de perfeição.
Não quero mais pertencer
Ao que não me pertence.
Abandonar laços cortados,
Parar de correr e perseguir
Sombra daquilo que se foi;
Ainda que pareça tão bom
Não dá pra viver memórias.
Buscar irrealidade nos dias,
Ser prisioneiro de algo que
Há tempo deixou de existir,
Nem sombra deixou restar.
O que não mais simboliza,
Deixou de ter importância.
O que se foi apartado está
Perdeu significado e razão.
#papolivre
A gente tanto tem corrido em busca de sonhos e objetivos. Afinal, é preciso estar atento e forte, mantendo a constância, numa busca que dificilmente será alcançada, ainda assim, importa estar em movimento. Porém, nessa procura sem freio quase não resta tempo pra pausar e refletir – quando acontece é mais um pit stop que um momento de descanso, pra manter a hiperprodutividade – até porque fazer isso pode nos levar a reflexão e provocar mudanças que precisam acontecer.
O perigo de parar, é se perceber mergulhado num vazio, não por viver na solidão, mas por estar cercado de relações que deixaram de importar; buscando algo que já nem faz mais sentido obter. Numa corrida atrás do vento [Eclesiastes 2.11], onde todo sentido se esvazia de vez – o que pode levar a uma crise existencial, como mostra o artigo “A falta de sentido e humor da vida“.
Nossa mente é especialista em dar um verniz de perfeição às nossas memórias, tanto pro bem quanto pro mal – conforme aborda o artigo “Vivendo sentimentos reciclados“. Por isso é preciso avaliar o que nos é proporcionado em cada interação, ao invés de ficar presos ao que se passou num tempo distante, do qual resta apenas uma memória turva, alterada toda vez que a consultamos.
Permanecer ligados a “boas memórias” pode ser um perigo pra nos manter preso em relacionamentos, lugares e desejos que já não nos representam, nem tem nada a acrescentar – que além de nos esvaziar, podem ser tóxicos. Ainda que doa, o melhor é desapegar e deixar o que não mais significa importar sobre nossas escolhas e quem temos nos tornado. Existe tempo pra todas as coisas [Eclesiastes 3.1], inclusive pras despedidas [Eclesiastes 3.5] e cortar relações. O que deixou de ser, devemos apenas deixar ir – não importa o âmbito que isso chegue, se relacionamentos ou até mesmo crenças – e permitir a distância revelar a verdade em cada coisa, assim vamos saber o que continua a ser, e vale a pena manter na mente e na vida, pra ela continuar a ser recarregada de significado.
Óculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.