Céu primoroso que em beleza amanhece
De esplendor e verde a campina reveste
Se espreguiça, esticando toca o horizonte
Enquanto segue escolhendo de que cores
Irá aquarelar a aurora de novo dia a parir
Mas aurora só usa coisa fina e requintada
Pra trazer à luz manhã de um dia perfeito
É no levante que clareia e o céu desperta
Avoluma as luzes que dispersam em cores
Do horizonte se avista que tudo aproxima
Encaminha pro céu na entreluz da aurora
Páramo sertanejo que arrodeia a planície
Por vez surge em tom de azul esverdeado
Da campina tudo parece pertencer ao céu
Céu esticado tão natural como luz do dia
Em luz se percebe que à terra é quase céu
Enquanto o sol adentra nuvens esparsas
Manifestando cálida e desejosa presença
Pinta tela em arroxeado tom de vermelho
E antes de se notar já deu dia, encandeia
Clareia céu lindo de não aviar mais de ver
Sol estendido pulula e chicoteia ardência
Até que, nuvens em refresco derramado,
Brincadejam, às vezes deslizando, noutra
De seguir o mestre ou mesmo de estátua
Céu é campo livre onde nuvens caprinas
Vão pastejar sorvendo água que vaporeia
Aos poucos páramo libera outro rebanho
Nuvens sapecas pegam de fazer estripulia
Em migalhas reguladas o céu as dispensa
Pano de nuvens estendido no firmamento
Como se varrida, alimpada foi a extensão
Mãos azuis apanham os lívidos suspensos
O céu fica numa parca miudeza de nuvem
Que diminuem cabendo na palma da mão
Até escaparem, cachetando, aglomeram
De cara fechada o céu azeda e bronqueia
A berrar, solta trovão e se debate furesco
Até deitar choro pranteado de lamentado
Alagando, afunda o caminho perpassado
É que firmamento também carece de zelo
Às vezes a abóbada serena é ferro batido
Passos de quem caminha pela tempestade
Dá volume as nébulas que se acumulam
Escasseando o rigor se ouve orvalho cair
À terra molhada com a chuva derramada
Desprende cheiro audaz da velha infância
E o vento, moleque de tudo, abre o tempo
Firma-se o céu na promessa de bom sinal
O vento a fazer cócegas avermelha o céu
Airosa cúpula, feito saia rodada na dança
Luz espalha na poeira fugida, de assanho
Alaranjando o entardecer em vívida cor
Céu poente roseia se enchendo de pudor
Crepúsculo a vastidão beija com ternura
Baixa o céu em preguiça boa de observar
Quando dá mais tarde se escondem cores
Um azul retinto avoluma no firmamento
Vai botando o céu ovo com luminosidade
Escurece tudo pras estrelas se ver melhor
Num céu perfeito onde a paz pega folga
Os campos enchem de fulgor reluzente
Brinca o vento a voltear em espiralados
Pela janela não se finda de achar beleza
A gente fica a admirar o tamanho do céu
Céu alto, em altura espichada, revela noite
Ainda assim não se cansa de tentar pegar
Parte que seja pra se enquadrar no olhar
Às vezes se embrenha a vista ante o breu
Encontrando algumas estrelas estendidas
É que céu não dá liga pra estrela prender
Ou não teriam despertado os vaga-lumes
O céu se estira e as estrelas formam roda
Serelepes se bandeiam piscando segredos
A dama que na noite impera, exala aroma
Sob o céu abobadado, a melhor cobertura
Que recobre os telhados e sapês de casas
Céu, é céu pra onde quer que pega a vista
Céu sertanejo, faceiro, onde apogeu revoa
O céu não é tão simples quanto se pensa
Ele comporta o que não cabe na despensa
Céu de estrelas descobertas, reverberadas
Se cobre de luz a formar clarões de cores
Envolvendo o mundo num celeste abraço
#papolivre
Esse poema é o resultado da mistura da prosa de João Guimarães Rosa, presente em “Grande Sertão – Veredas“, de 1956, com a poesia da cultura pop musical e uma pitada de inspiração bíblica. Além de escrever num estilo de fluxo de consciência, Guimarães Rosa costumava inventar palavras pra deixar sua escrita o mais próximo possível da linguagem sertaneja, o que lhe rendeu prêmios e a imortalidade na Academia Brasileira de Letras.
Afora seu modo de escrita, algo que chama atenção em sua prosa é a presença do céu, que recebe diferentes detalhes, seja pra ambientar a história, marcar a passagem do tempo ou mesmo expressar emoções – assumindo a mesma importância que qualquer outro personagem. Isso foi o que me inspirou a compor esse poema, marcando o nascimento do dia até ser envolto pela escuridade de um céu carregado de estrelas que a gente não cansa de olhar.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.