Poesificando: Ao cume do monte consegui chegar
Karl Fredrickson/ Unsplash

Ao cume que pela alvorada alcei

Pelas asas da alvorada subi
Cheguei ao cume mais alto,
Por fugir foi que aqui cheguei.
Os olhos contemplar ao redor

Montes, montanhas e outeiros
Altos, tão distante todos estão,
Do alto se avista com precisão.
Do chão tudo o que podia ver

Era só minha vontade e querer
Ao chegar aqui não mais posso
Ocultando-me, tentar escapar,
Na luz não existe obscuridade

Apenas a inalterável verdade.
Subi ao monte da minha dor,
Sob sombras do vale da morte,
Pra trás deixei pedaços de mim,

Meu querer por completa desfez.
Marcas de sofrimento há no corpo.
Na tristeza percebi o valor do riso
Posso tudo, até na dor me alegrar.

Até na felicidade tem sofrimento,
Mas na minha aflição só há sorrir.
Enquanto subia, despi-me de mim
Quantos sonhos e desejos larguei,

Pois não podiam alcançar o céu,
Como a Terra, distantes eles são.
A neve vem o campo encharcar
E as nuvens o terreno vem regar

Tua Palavra cumpre tua vontade,
Jamais volta sem obter resultado.
Semente, ao tocar o chão, faleceu
Brotará no tempo certo, ofertando

Frutos a trinta, sessenta e a cem.
Subi ao céu para alçar a vontade
Mas Teus caminhos são tão altos
Como posso alcançar teu querer,

O que preciso fazer no monte
Benjamin Behre/ Unsplash

Se é isso mesmo que fazer devo?
Ser tão diferente como você o é?
Como me apartar dessa maneira
Deixando partes de mim mesmo

E repudiando aquilo o que sou?
No cume que do monte cheguei,
Vou sentindo-me cada vez menor.
O chão em mim, firme se agarrou

Ante a intensa e serena imensidão,
Vastidão do superabundante amor,
Teu peso mostra a minha pequenez.
Vejo que a vida só inicia com o fim,

Quando se desfalece matéria febril,
Som ordena fusão de fôlego e vento.
A vida que tenho é sopro que esvai,
Vapor subindo com o nascer do sol,

Se Dissipa ao calor da cálida manhã.
Alegria também traz tristeza e dor,
Amor desperta raiva e indiferença,
Sabedoria, arrogância, imprudência,

O que a vida concebe é apenas morte,
Os cuidados só irão trazer contusões,
Na força é que se revela a fraqueza,
Grandeza só pode levar a derrocada.

Daqui de cima vejo com mais nitidez
Embaixo, a profundidade do oceano,
Ventania que agita e vivifica as águas.
Ante o esplendor de tamanha beleza

Preciso morrer
Javardh/ Unsplash

Não há alternativas, a não ser morrer
Saltar do topo do monte que cheguei.
Toda caminhada apenas me preparou
Pra não mais a morte temer ou fugir,

Lanço-me as alturas, aos céus, ao ar,
Mais denso que nuvens vou imergir
Pra direito repousar nos braços teus.
O silêncio da vida é a paz excedendo

Toda compreensão e entendimento.
O coração meu na rocha se firmou,
Em mim não há mais temor algum
Toda confusão e embaraço desfez.

Junto ao chão é que posso crescer,
Semente oculta, brota criando raiz.
No pó me fortaleço buscando a ti
A gratidão me leva a estar aos pés.

Só cresço se estiver próximo à terra,
Rosto no pó, lágrimas regando o chão,
A grandeza está em se fazer pequeno,
A vida iniciou quando morri pra mim.


#papolivre

Algumas coisas a gente só descobre a importância após aceitar o que precisa ser feito e tomar iniciativa. Não é fácil escalar um monte e, além de esforço, fazer isso exigirá persistência, porém todo cansaço é recompensado assim que se chega ao topo – de onde se tem uma visão espetacular – e é aí que se percebe o contraditório prazer gerado pelas dificuldades e empecilhos.

Esse poema surgiu num dia de muita inspiração, fora ele, compus mais alguns – sem falar nos que deixei rascunhados. Ao começar a escrita, uma enxurrada de lucidez me levou a diferentes caminhos que foram se tornando em diferentes poemas – algo até bem comum de acontecer.

Dos que nasceram nesse dia, esse é o último – talvez seja esse o motivo de o considerar com mais consistência que os demais. Quanto aos outros não sei mais quem são, apenas que aguardam a vez de virem a luz de leitura.

Ósculos e amplexos,

Mishael Mendes Assinatura
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