Ó, céus! Ó, vida! Ó, padecimento…
Será meu viver constante tormento?
Vazio que em palavras turva a mente.
Perdido me acho no meio de letras,
A confundirem o que nem sei sentir,
Fluxo que carrega contínua cadeia.
Existirá após a escrita menor pesar?
Em meio a devaneios me perco mais,
Confuso, já nem sei mais quem sou.
Me enlaço e entrelaço em palavras
Que invés de vida revelam rejeição,
Fazendo arrepios pulsar pelo corpo.
Ainda escrevendo, insisto em sofrer,
Experimentando daquilo que fogem,
Um amargor que empedra o coração
De alguém que a paixão se entregou.
Pergunto se isso vai findar algum dia
E sinto apenas impulso de continuar.
Permaneço em palavras que tomam,
Dominam mente, saem como querem.
Já não tenho mais vontade ou desejo,
Mas nessas linhas ponho a me perder
Sem controle me deixo ser conduzido,
Quem sabe no ponto, o final chegue?
#papolivre
Escrever é terapia que desafoga a alma do emaranhado de sentimentos, ideias inesgotáveis e pensamentos intrusivos; permitindo melhorar o controle mental e emoções, ainda é benéfica pro autoconhecimento e a manutenção da saúde mental. Por possibilitar o alívio de experiências angustiantes, também é útil pra melhorar a qualidade de vida de quem passa por tratamento contra câncer, doenças cardiovasculares ou neurodegenerativas. No meu caso, a escrita começou como passatempo – que apesar da dedicação eu não era bom, mas a persistência me fez melhorar – com os anos a atividade se tornou catarse que me ajudou a lidar com situações difíceis, como o câncer da minha mãe, o falecimento da minha sobrinha, entre outros processos.
O ato de transferir ideias através das palavras é a melhor forma de desapropriar um sentimento que às vezes nos toma sem pedir licença, e chega dominando pensamentos e emoções – sendo ótimo pra enfrentar os demônios internos, como aconteceu com importantes escritores, algo recordado pelo artigo “A estranheza nossa de cada dia“. Ao passo que aquilo deixa de nos pertencer, pode também trazer uma percepção contrária ao desejado, saindo com tons ácidos ou maior toques de pessimismo. Assim as palavras se vão, discorrendo sobre coisas maiores até do que se intencionou dizer, falando da dicotomia de sentimentos a transitar entre dor e prazer, fé e razão – algo vivido por Lourdes na minissérie “Interrompido – A curva no vale da sombra da morte“.
Compartilhar o que escrevemos é dar a oportunidade pra que outros se identifiquem com as mesmas situações que nós – o que cria empatia e reduz o estresse – mostrando que é possível alterar situações e mentes, trazendo mudanças, além de tocar outras vidas – conforme aborda o artigo “Histórias de vida que precisam ser contadas“. Porém, quando botamos nossos escritos pro mundo, eles deixam de nos pertencer, ganhando vida própria através de cada interpretação.
O problema surge quando o ato deixa de ser uma alternativa pra liberar o excesso de pensamentos e se torna ponto de fuga da realidade; quando o prazer da atividade é substituído pela necessidade de preencher requisitos que agradem uma audiência que desconhece nossa realidade; e quando o foco se volta pra obrigação de produzir ao invés de se reconstruir, isso acaba por trazer peso a escrita, tornando a tarefa num fardo que pode ser difícil de carregar. Daí, é importante avaliar que sensação ficaria caso a escrita fosse abandonada, se alívio ou decepção. Houve um tempo em que abandonei total a tarefa por não saber lidar com o fluxo interminável de insights, mas acabei voltando por me sentir oco, porque enquanto teço mundos, me encontro comigo mesmo e me conecto com o outro – falei um pouco mais sobre essa força na crônica “37 danças ao redor do Sol“.
É preciso ser inteiro, em tudo que fazemos – algo que o artigo “Temperando com pedacinhos de nós” explica bem. Fazer as coisas com intencionalidade, além de ressignificar nossas vidas, muda a de outras pessoas e nos leva a encontrar e viver nosso propósito – como lembra o artigo “Carregando os momentos de propósito” – assim a escrita deixa de ser fardo e passa a conduzir à liberdade da alma e da mente, ainda que o processo seja custoso de realizar.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.