#episodioanterior
Após ser obrigada a encerrar a entrevista Amanda recebe uma ligação que a deixa desorientada. Atrás de notícias os vizinhos obrigam os anfitriões a dormirem tarde e no meio da madrugada Marcos percebe que a esposa sumiu sem deixar vestígio algum.
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Quando Marcos alcançou o quarto 705, encontrou a esposa, em meio às lágrimas, apontando Cadu, numa aflição que impossibilitou as palavras ditas de serem compreendidas; tudo que deu pra entender foi “que” e “humilhação” e ela se lançou nos braços dele, chorando num ímpeto maior. O médico, que vinha logo atrás, ao sentir o odor desagradável acionou a equipe de enfermagem pro paciente ser limpo.
O instinto de Lourdes, assim que viu o filho todo mijado, foi cuidar dele, e bastou se aproximar pra se dar conta que mesmo com toda sua dedicação não conseguiria demovê-lo daquela condição, então foi tomada de uma tristeza que lhe rasgou a alma num choro condoído.
— Peço perdão, dona Lourdes, mas a senhora veio antes de verificarem o estado do Cadu.
Pouco depois, uma garota aparece solicitando a saída deles, porém sua cara de má vontade indignou Lourdes devido à falta de amor ao próximo [Gálatas 5.14].
— Por que você tá olhando com essa cara pro meu filho? Ele merece um tratamento decente!
— Desculpe se minha cara não agrada, mas só tenho essa! E a coisa aqui tá feia. – Ela frisou, com descaso.
— Você só diz isso porque meu filho tá nesse estado! Se visse ele antes ia ficar de graça, igual as outras garotas. – Lourdes despejou o que lhe entalava a garganta. Ela estava certeza que o filho não era lindo apenas por ser mãe-coruja, as garotas viviam se apinhando em seu portão, suspirando por Cadu.
“Poucos traços são suficientes pra intimidade permitir ver que algo não funciona como deveria.”
— Difícil, hein, senhora!? – A cara de deboche da enfermeira fez o sangue de Lourdes ferver preparando suas mãos pra dar umas palmadas na desaforada e lhe ensinar a ter boas maneiras.
— Lindsay! – Pedro Gonzaga chamou a atenção da garota. – Vá chamar outra enfermeira!
— O senhor não me acha apta, doutor? – O tom desafiador foi complementado pelo estouro de uma bola de chiclete, ao qual ela mascava de um dos lados da boca, aumentando seu desinteresse.
— Não estou dizendo isso, só faça o que pedi! – O médico ficou impaciente.
— Tá, doutor, fica pistola não! – Dessa vez ela fez uma bola maior e após estourá-la saiu rebolando à vista de todos.
— Com licença, doutor, o senhor pode nos dar um tempo? – Marcou pediu de repente.
— Claro! – Ele assistiu, então os dois se afastaram.
Assim que Marcos envolveu o pescoço da esposa e sentiu a tensão acumulada ali, suspeitou de que algo além do inconveniente presenciado a devia estar afligindo, foi necessária certa insistência até ela mandar a real; poucos traços são suficientes pra intimidade permitir ver que algo não funciona como deveria. No dia anterior, após ter visto como o filho se encontrava, o médico perguntou se Lourdes gostaria de voltar pra ficar um pouco mais com Cadu.
— Doutor, tem algum problema se eu for embora?
— Tudo bem! Vá e aproveite pra fazer uma refeição saudável.
— Pode deixar! – Como criança precisando de permissão, ela ficou sem graça por completo; e olha que o médico era o novinho ali. O alerta a lembrou de viver pegando no pé de Cadu pra ele se alimentar direito ou comer. Distraída, a criatura só aparecia pra comer após ela ralhar, geralmente quando a refeição já esfriara.
“Suas falhas não reduzem parte alguma de sua grandeza, nem invalidam a intensidade de seu amor.”
— Faça isso por você e principalmente pelo Cadu, ele vai precisar de toda energia que a senhora puder dispor.
— Tá bem, doutor. O senhor pode só me fazer um favor?
— Diga! – Ele a estimulou, com um sorriso e voz acolhedora, ao percebê-la receosa.
— Não diz pro meu marido que fui embora, por favor.
— Não se preocupe com isso, dona Lourdes.
— Obrigada, doutor! – Ela saiu, com o rosto começando a arder.
O médico a viu ir se afastar, torcendo pra Lourdes se cuidar, a percepção dele dizia que ainda haveria muito o que enfrentar e suportar pela frente.
— Foi… por… isso… que… não consegui dormir… – A angústia e a culpa eram tantas, que fizeram lágrimas correr, enquanto as palavras saíam entrecortadas por soluços.
— Amor, não fica assim. – O coração de Marcos apertou, ele nunca vira a esposa assim, então a abraçou firme.
— Neguinho, sou uma mãe horrível! Como pude abandonar nosso filho!? – Com a cabeça encostada no ombro do marido, seus olhos vertiam lágrimas em sentenças de culpa. Suas palavras o quebraram de uma forma que ele a abraçou mais forte tentando arrancar todo sentimento ruim a pesar sobre a amada esposa.
— Amor? – Ele segurou o rosto dela e olhou em seus olhos. – Você é a mãe mais carinhosa e dedicada que existe, suas falhas não reduzem parte alguma de sua grandeza, nem invalidam a intensidade de seu amor. Você só tava exausta.
— Dona Lourdes, a senhora precisa de algo? Uma água com açúcar? – Condoído, o médico ofereceu ajuda.
— Só água mesmo, por favor. – Marcos se adiantou, sendo diabética, açúcar seria o mesmo que dar veneno pra esposa.
A origem do mito de que água com açúcar acalma é remota, apesar disso, a mistura não serve de calmante porque ao ser ingerido o açúcar é metabolizado se transformando em energia, assim causa o completo oposto, é a crença que sua diluição transforma a água em sedativo que acaba por acalmar – a fé vai além de lógica e regras; desconhecendo limites inverte sentenças e funcionalidades [Marcos 9.23].
— Já volto! – Ele assentiu, saindo apressado e retornou com um copo que entregou a Lourdes.
— Obrigada, doutor! – Mais calma, ela agradeceu após tomar todo líquido de uma vez.
“A fé vai além de lógica e regras; desconhecendo limites inverte sentenças e funcionalidades.”
O silêncio permitiu que as palavras de Marcos que lhe haviam adentrando os ouvidos, transmutaram o som em energia que, após ser processada pelo cérebro, vibrou até a alma e, enquanto as lágrimas desciam silenciosas, o corpo se inundou de hormônios sedativos. No fim, o que Lurdes precisava era botar pra fora a acusação que lhe dizia ser uma péssima mãe, incomodando ao ponto de nem conseguir dormir, mesmo cansada – antes da redenção é necessário se expurgar toda culpa e pesar.
— Gostaria de mais um pouco água ou outra coisa? – Solícito, o médico quis saber.
— Agradeço, mas não precisa! – Lourdes respondeu com brandura e um sorriso iluminado que fez o médico aquiescer, sorrindo de satisfação, enquanto um bem-estar se espalhava por seu corpo.
— Mais uma vez lhes peço perdão, a garota é residente e ainda não sabe como tratar os pacientes. – O médico disse ao perceber Lourdes mais calma.
— Então, por que ela tá logo aqui? – Lourdes ficou confusa ante a incoerência da decisão.
— É que ela é sobrinha do doutor Adriano da Cunha, um dos diretores do hospital. – Após chegar mais perto, Pedro Gonzaga disse em tom de confissão.
— E se ele ouve o nome dele sendo cochichado por aí, você já sabe, né, doutor!? – Vinda de trás do médico, uma voz ralhou.
— Dolores! – Ele sorriu após se recuperar do susto e ver quem chegou de supetão. – Estes são os pais do Carlos Eduardo.
— Prazer em conhecê-los! – Ela cumprimentou educada os dois, depois virou pro médico. – Desculpe não ter vindo antes é que tava ocupada, mas como era algo simples pedi pra Lindsey vir, mas já vi que foi uma péssima ideia.
“Antes da redenção é necessário se expurgar toda culpa e pesar.”
— E como! – O Doutor revirou os olhos.
— Agora, vamos ver como tá nosso paciente.
No oposto do comportamento da novata, Dolores tratou Cadu com toda humanidade e respeito que a condição do garoto exigia, impecável, além de amorosa – a base da enfermagem é o cuidado expresso no planejamento e na atenção às necessidades intrínsecas do paciente.
— Agora ele tá pronto pra receber visitas. – Dolores disse com um sorriso.
— Vamos deixar vocês a sós! – O médico acenou com a cabeça e se retirou com a enfermeira.
Dessa vez, o quarto exalava tranquilidade, sensação essa bem-vinda após toda turbulência; ao invés de ambos se apressarem pra estar perto do filho, ficaram inertes onde estavam. Apesar do alívio, um vazio evidenciado pelo silêncio, quebrado apenas pelos ruídos dos aparelhos que ajudavam o corpo dormente de Cadu a continuar funcionando, contrastava com as imagens lançadas no córtex pré-frontal, do garoto esperto e cheio de vivacidade, a exibir um sorriso maravilhoso.
De olhos marejados, Lourdes adentrou o espaço, com os passos mais lerdos do que gostaria, logo atrás Marcos fechou a porta. De repente ela desperta assustada, percebendo-se sozinha, coberta e no escuro; foi assustador se encontrar assim, tudo que Lourdes lembrava antes disso é de estar em pé e agora recostada na poltrona. É que apesar de querer ficar esperta, o corpo exaurido pelo desgaste físico e emocional desligou na marra, inconsciente ela ficou com a impressão que tudo aconteceu num piscar de olhos.
Olhando em volta a percepção foi do espaço ser grande demais, ainda mais ante a ausência da característica mais marcante de Cadu: sua felicidade. Lourdes se descobriu, ajeitou-se na poltrona e pegou a mão do filho, a segurando forte e aproveitou o silêncio pra fazer uma oração. Enquanto as palavras saíam sussurradas ela sentiu um aperto frouxo na mão, no mesmo instante levantou os olhos.
— Mãe? – A voz de Cadu saiu soprada e com dificuldade.
— Oi, meu filho! – Uma alergia incontida tomou conta de Lourdes.
— Eu… eu amo você muito… tamanho do universo!
— Hownm… filhinho lindo, também te amo muito! – Ela abraçou com ímpeto seu garoto.
— Ai, mãe! – Cadu gemeu.
— Desculpa, querido, é que tô tão feliz! – Lourdes se afastou tentando controlar a enxurrada de emoção lhe tomando. Ante a afirmação Cadu sorriu e essa foi a melhor coisa que ela podia receber; aquela felicidade a encheu de paz até fazê-la transbordar.
Quando Marcos entrou no quarto a alegria ficou completa, os dois só sabiam sorrir, porém, tiveram de interromper as comemorações porque o doutor Pedro Gonzaga queria falar com ambos em sua sala.
— Sei que vocês estão felizes e querendo aproveitar o Cadu, mas agora que ele acordou, vamos realizar alguns testes e é importante saber que existe uma chance de tetraplegia, claro que tudo vai depender da velocidade de recuperação do organismo dele.
Realizados todos os testes necessários, quando os resultados chegaram, o que estava registrado ali deixou a equipe médica espantada.
— Não sei nem como começar a dizer isso pra vocês…
— O Cadu piorou? – Apreensiva, Lourdes interrompeu o médio que parecia perdido, sem saber como dar a notícia.
— Muito pelo contrário, dona Lourdes! – O médico sorriu de satisfação. – O Cadu não vai precisar de próteses ou órteses pra corrigir, ou estabilizar a postura, ele se quer vai ficar tetraplégico. É assustador a velocidade que o organismo dele se recuperou, dada a intensidade do trauma sofrido.
“A base da enfermagem é o cuidado expresso no planejamento e na atenção às necessidades intrínsecas do paciente.”
— Disse pro senhor que meu filho é um milagre! – Lourdes sorriu a transbordar felicidade.
Marcos, mal conseguia falar, ele que vira de perto o estado lastimável do filho ficou espantado a ponto de não dizer nada pra esposa – pelo menos até o momento certo – agora ouvia a ciência provar o milagre que o filho era e continuava a ser.
— Talvez ele precise de um cuidador nas primeiras semanas pra auxiliar em atividades como higiene e aqui temos excelentes profissionais pra isso.
— Não é necessário, doutor!
— Como, não? – Doutor Pedro Gonzaga se espantou. – Mas ele vai precisar desses cuidados, pelo menos inicialmente.
— Pode deixar que faço isso. – Ela assentiu, com calma.
— Dona Lourdes, dessa forma à senhora poderá descansar um pouco.
— Sei disso, mas prefiro eu mesma cuidar do Cadu.
A partir daí os dias adquiriram novos tons passando a serem preenchidos de esperança, mesmo com os cuidados extras a exigir mais de Lourdes, a melhora ao longo da semana tornou o fardo leve. O aspecto do garoto era mais saudável, embora já não exibisse a beleza de outrora o rosto desinchara. Enquanto o filho não recebia alta, Lourdes seguia frequentando o hospital, como parte de sua rotina.
Certo dia, mãe e filho estavam numa conversa descontraída e animada, planejando um futuro não muito distante. Cadu dizia que quando melhorasse iria fazer um mochilão pra conhecer o mundo – seus olhos chega brilhavam. Extasiada, Lourdes viajava em seus planos, quando uma sombra pairou sobre tanta felicidade [Provérbios 14.13], o garoto tentou erguer a mão e por mais que fizesse força não moveu um músculo sequer, a única coisa que conseguiu com o esforço foi ficar sem fôlego.
— Mãe… que tá acontecendo? – Cadu estava assustado.
— Não sei, filho! – Lourdes sentiu as palavras escorrerem boca afora, sem a menor compreensão do que acontecia. Mais assustada que Cadu, tentou manter a calma, porém, ao ver os olhos dele marejarem por não poder fazer algo banal, tomou-lhe a mão entre as suas e procurou sorrir com o resto de forças que restavam em si.
— Mãe…
— Não se esforce tanto, querido.
— …cê lembra?
Pra qualquer outra pessoa as meias-palavras de Cadu não bastariam e a frase soaria sem sentido, já pra Lourdes serviram de palavras-chave trazendo um resultado ao qual não desejava recordar; sua mente resgatou a imagem de Cadu, antes de ir trabalhar, dizendo que gostaria de doar os órgãos quando morresse. Mas a memória veio maculada de trevas, borrada, tão aterradora que um arrepio botou todos os pelos de Lourdes em pé. Nesse momento Marcos entrou no quarto e percebeu olhos brilharem em sua direção, o olhando profundo a ponto de emanar calor.
— Pai, não esquece, tá?
A insistência encharcou os olhos de Lourdes, então ela apertou a mão de Cadu, dizendo pra não se esforçar tanto, ainda mais pra falar naquilo, ele ainda tinha muito o que viver. Foi Lourdes fechar a boca e Cadu convulsionou forte acelerando as batidas do coração, então um sinal de alerta disparou e Dolores entrou apressada.
O casal teve de ser retirado as pressas e essa urgência sem qualquer explicação do que estava acontecendo deixou Lourdes em alerta, com o desespero a aumentar cada vez que alguém entrava e saía do quarto sem dar satisfação alguma.
#proximoepisodio
A conversa com o médico revela o cumprimento de uma terrível profecia que enche de tristeza o coração de Lourdes. Sem perspectiva de melhora Cadu segue na mesma; doutor Pedro Gonzaga sugere algo que causa horror e o casal acaba discutindo.
Conheça a história com acontecimentos inéditos e um episódio extra!
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.