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Ainda era cedo – passara poucas horas do almoço – mas o sol já estava num amarelo desbotado de fim de tarde, perdendo a força enquanto irradiava um calor agradável – culpada do outono, a estação que engana os sentidos, enquanto faz a mente viajar por lembranças embrulhadas num celofane castanho de saudades.
Apesar da temperatura agradável, a carga de saudosismo carregada pelo tempo só deixava Jared Olsen – Red pra ficar mais fácil – deslocado, entre memórias e pensamentos, tanto que por pouco fica sem pegar o ônibus. Red vivia perdido e por mais que fizesse cálculos o tempo acabava fugindo, a impressão era que ele funcionava de um jeito diferente, sempre meio distorcido, passando rápido demais quando tinha que ir mais devagar – talvez fosse culpa da tal relatividade geral.
Embora o ponto ficasse na frente de casa, distraído como era, só viu o coletivo quando olhou pela janela, então desceu correndo, abriu o portão e subiu de uma vez só, sem, se quer, se dar ao trabalho de olhar em volta pra ver se tinha algum conhecido ali dentro – ou pro motorista que o cumprimentou, estar de earbuds também não ajudava.
Pra não dizer que não prestou atenção em nada, a única coisa a qual interagiu foi a catraca, já que precisou tirar o celular do bolso pra pagar e liberar a passagem, só depois lembrou que o smartwatch também tinha NFC. Assim que passou, se jogou na cadeira atrás da mais alta – onde preferia sentar, mas como já estava ocupada – e aproveitou pra ler no Kindle Oasis.
Só quando desceu, se tocou que estava atrasado, ele detestava isso, mas como insistiu de terminar um desenho, pra depois comer, tomar banho e se arrumar, acabou perdendo fácil a noção do tempo – se bem que até dava pra ter chegado na hora, não fosse a quantidade desnecessária de semáforos distribuída pelo centro e o trânsito ruim que surgiu do nada.
Mal desceu do ônibus e Red saiu voando, passando pelos corredores da escola, até chegar na sala dos instrutores, lá cumprimentou o responsável pela manutenção dos computadores – que normalmente se encontrava de boas por ali – pegou o jaleco de monitor e disparou pro laboratório, como o chão tinha sido encerado recentemente, ele acabou deslizando com tudo porta adentro.
“A internet que reduziu distâncias, aproximando pessoas, é a mesma que isola cada um na própria bolha, além de criar padrõezinhos que inexistem fora do virtual e que só servem pra aumentar problemas psicológicos.”
As bochechas já iam ficando vermelhas, mas quando notou que a molecada estava entretida nas próprias máquinas, a ponto de nem perceber chegar – mesmo com o barulho que fez ao trombar com a porta.
— Onde cê vai, garoto?
Assim que o som da voz lhe tocou os ouvidos, Red até sentiu calafrio, enquanto as bochechas seguraram o tom avermelhado – ele tinha sido flagrado – então virou-se desconfiado.
— Bela entrada, Red!
— Ah! Oi, Zie! – Ele ficou sem graça ao ver que Grazie Frangipane ou Zie, como gostava de chamá-la, colada atrás de si.
— Cê é liso mesmo, hein!? Chegou atrasado, mas já entrou com tudo! – Ela disse do jeito costumeiro e debochado dela.
As bochechas de Red, que já voltavam a coloração normal, intensificaram o tom, ficando tão vivas quanto o apelido – o nick refletia bem a personalidade dele, já que não era difícil vê-lo envergonhado.
— Que bonitinho ele! Fica vermelhinho não, Red! – Ela riu o achando fofo.
— Que vermelhinho o quê?! Tem nada disso aqui! – Ele desdenhou. – Tenho superpoder de não sentir vergonha. – Red disse gabola. – Espera, que cê vai fazer com isso!?
— Oras! Registrar esse momento pra posteridade! – Ela piscou.
— Aponta isso pra lá! – Ele desviou o celular de Zie pra outra direção. – Tâmo trampando agora, dá pra manter a seriedade?
A postura dele, fazendo o responsável, fez Zie cair na gargalhada.
— Sério que cê tá pedindo isso, Red? Logo cê, que entrou daquele jeito?
— Ah! Esquece! – Red estava sem jeito. – Pensei que ninguém tivesse visto. – Ele respirou fundo.
— Pena que não filmei! Tava sentindo que cê ia aprontar alguma. – Ela semicerrou os olhos enquanto dava um soco no ar, fazendo a desapontada.
“A preocupação tem sido apenas inflar egos e ganhar corações virtuais, talvez por isso os relacionamentos não passem da superfície, ficando sem qualquer profundidade. As pessoas andam ocupados demais com si mesmas, fazendo que não reste espaço pra mais ninguém em suas vidas, assim a chance de ser feliz se esvai.”
— Falando em aprontar, e esse silêncio todo aí? – Ele olhou em volta. – De fora, pensei que cês nem tivesse saído.
— Pois é, menino! É por causa de uma novinha. – Zie estava admirada.
— Aluna nova? – Ele procurou em volta.
— Não! Um contatinho que a galera tá adicionando geral.
— E como acharam ela? – Red quis saber, todo curioso.
Zie nem precisou dizer, apenas apontou na direção do culpado. Ao ver que se tratava de Isaak Antonoff, Red sorriu e foi lá, ao vê-lo, Zack levantou e lhe deu um abraço, mas disse que depois conversavam porque precisava terminar a atividade – embora apenas ele parecesse preocupado com isso, a geral só queria saber de stalkear, adicionar ou ficar de papo com a garota – todas as telas exibiam o mesmo perfil.
Algumas garotas até puxaram conversa, mas a maioria preferiu só stalkear, tentando descobrir o motivo de tanto interesse.
O caso impressionou Red, a garota devia ser mesmo interessante pro silêncio reinar daquele jeito, a turma ali era uma das piores que monitoravam – isso em termos de comportamento, já pra bagunça eram peritos. A responsável pela agitação era a quadrilha – composta por dois Thiagos, um Johnatan e uma Raphaela que botavam fogo na sala – mas como eles eram legais, ficava difícil manter a ordem sem entrar na onda.
— E cadê o Kerr Lauren? – Ele se referia assim mesmo ao instrutor, apesar de gostar dar apelidos, pra Kerr Lauren abria exceção, afinal, queria a menor intimidade possível com aquele cara.
— Ah! O Keir? Tá ali, no outro lab. – Já Zie e todo resto o chamava por apelido.
— Mó folgado esse cara! Só fica no celular e a gente que lute com a turma dele.
— Fica bolado não! Daqui a pouco ele vem pra cá, a galera do outro lab já tá saindo.
— Humm…!
A galera estava no módulo de design gráfico, como as aulas eram divididas entre a sala audiovisual, onde ocorriam as explicações, e o laboratório, pra botar o aprendizado em prática, o instrutor passou uma imagem pros alunos vetorizar no Illustrator, daí quando foram praticar, aproveitando que a classe do lado estava fazia, se mandou pra lá.
Kerr Lauren era inteligente, explicava bem, mas desde que Red e Zie passaram a lhe monitorar a turma ele ficava de conversa com os contatinhos – apesar de namorar maior japonesa gata – aí que sobrava pros dois assumir a bronca, ainda mais com uma galera agitada e que exigia bastante atenção.
Os dois monitoravam de segunda a sábado, das 15h as 21h, as turmas de semana tinham aula duas vezes, já as de sábado tinham carga horária maior. Já fazia um mês que eles estagiavam, tempo suficiente pra galera criar intimidade – caminho do qual não há retorno – ainda assim, aquela era a turma preferida deles, tirando a bagunça, ela era bastante divertida.
A seleção pra estágio acontecia duas vezes por ano, através de um exame classificatório – difícil, além de disputada – onde apenas os alunos com melhor pontuação podiam ostentar o título de monitor – conseguindo, assim, status na escola. Não à toa Red ficou maior empolgado ao ver que passou algumas semanas após iniciar o curso, até porque sempre gostou de ajudar e explicar as coisas – algo que já vinha fazendo com os colegas de classe, ele sonhava em lecionar desde criança.
As pessoas sempre diziam que além de inteligente, Red era bastante esforçado, o que ninguém sabia é que, devido sua forma peculiar de enxergar as coisas ele se achava bem burro, então se esforçava bastante pra não ficar pra trás – o que o fazia se sobressair aos demais, sem que percebesse nada disso.
Antes das aulas começar, ele já tinha devorado a primeira apostila – mais algumas semanas bastaram pra fazer o mesmo com as três próximas – o que restava de dúvida sanava com as explicações, daí quando chegava na prática – também pelo fato das atividades ser realizadas em dupla – terminava rápido e ia ajudar os colegas.
Zie contou que o interesse pela garota surgiu na aula passada, Kerr Lauren acabou se empolgando na sala audiovisual – algo bastante comum – e como já tinha passado do horário da próxima turma, teve que se mandar pro laboratório, só que chegando lá a namorada ligou e ele foi atender, esquecendo de passar atividade, daí que, sem nada pra executar, a galera partiu pro que era boa demais: fazer bagunça.
Foi aí que Zack começou a falar de uma garota incrível que conheceu, a princípio pra uns três garotos, mas como ele era famosinho nas redes sociais e não costumava ficar de papo pra focar nas atividades, logo a atenção foi se voltando pra ele e, antes de Zie perceber, a geral estava ouvindo a conversa atentamente.
O bicho fez uma propaganda tão boa que logo todos queriam conhecer a cremosa, então ele compartilhou no grupo da sala o perfil dela – o que bastou pra todo mundo ficar entretido.
— Cê não vê as mensagens do grupo, garoto?! – Zie ergueu a sobrancelha.
— Ah! Entrei só pra avisar que não vinha. Pessoal fala demais, não dá pra acompanhar! – Ele justificou. – A mina deve ser mesmo 10/10, pra geral ficar assim.
— Pode ‘té ser, mas ela não é tudo isso. A geral que se impressiona fácil.– Zie desdenhou. – Por que cê não adiciona ela também, Red? – Ela sugeriu maliciosamente, ao ver a cara de tonto dele.
— Cê sabe que acho rede social maior coisa sem graça! – Ele esnobou. – E também não sou de ir com os outros.
— E se a geral tiver errada? – Zie exibiu um sorriso com covinhas.
Isso fez Red refletir, ele detestava ser embalista – como se não tivesse personalidade – então optava por ir no sentido contrário do resto da galera, a não ser que se sentisse desafiado a provar algo e, sorrindo, topou.
Assim que se conheceram, ele falou que ia cortar o cabelo, brincando, Zie alertou pra não raspar a cabeça, rindo ele achou a ideia boa, na mesma hora ela afirmou que ele nem era doido de fazer isso, até porque não teria coragem.
Como resultado, no monitoramento seguinte, Zie viu um carequinha se aproximar com jaleco de monitor e camisa parecida com as que Red costumava usar – na verdade, o amigo só usava xadrez, algo meio que um vício dele.
Na hora que o rapaz a cumprimentou ela ficou chocada de ver que era o amigo mesmo, mas passado o susto aproveitou pra zoar, assim como o pessoal das turmas monitoradas, mas ele nem ligou – mesmo concordado secretamente que a invenção foi maior close errado.
Embora não tivesse ficado legal, podia ter sido pior, é que quando ele insistiu de passar a zero, o cabeleireiro ficou surpreso dele fazer isso com um cabelo bom daqueles, mas depois se empolgou tanto que quis até usar gilete – ainda bem que ele recusou a oferta. Moral da história, Red aprendeu a nunca mais fazer uma cagada daquelas, já Zie, percebeu que bastava desafiar o amigo pra conseguir que ele fizesse qualquer coisa.
Abrindo o grupo, Red caçou até achar o link do perfil – tinha várias mensagens, a galera falava demais, mesmo quando não estava no mesmo espaço físico – quando o achou teve que reinstalar o aplicativo, daí apertou em cima.
Emily Erdbeer (Moranguete) era uma baixinha, loira de olhos azuis, pele bem clara, com algumas sardas na maçã do rosto, bochechas com tom avermelhado, tinha os cabelos longos – apesar de não ter nenhuma foto sensualizando ou exibindo o corpo, dava pra perceber que ela era toda linda.
Saindo do álbum, ficou fácil entender o motivo dos marmanjos estar tudo babando, ainda assim Red achou o alvoroço meio exagerado. Red não dava moral pra essa coisa de paixão virtual, pra ele a ideia de amor platônico não era algo pra se levar a sério, afinal, de que valia se enamorar por alguém que talvez nem chegasse a rolar nada.
A ideia de se apaixonar apenas observando alguém é tão antiga quanto Platão, mas a coisa ficou desenfreada mesmo recentemente, graças a internet, que facilitou o acesso às fotos e informações de qualquer um, além de permitir conhecer novas pessoas rapidamente, resultando em relacionamentos de curta duração e cada vez mais superficiais.
Isso tudo não passava de bobagem que Red costumava zombar, ao ver nas redes sociais a galera enviar juras de amor ou marcando encontros que talvez nem saíssem das intenções. A internet que reduziu distâncias, aproximando pessoas, é a mesma que isola cada um na própria bolha, além de criar padrõezinhos que inexistem fora do virtual e que só servem pra aumentar problemas psicológicos.
No bate-papo a regra costuma ser mentir pra ser bom naquilo que não se é, ainda assim tanta gente parece gostar disso, já catava Cristiano Araújo, “mente pra mim, é o que eu gosto, quanto mais você me ilude mais eu te adoro”.
A preocupação tem sido apenas inflar egos e ganhar corações virtuais, talvez por isso os relacionamentos não passem da superfície, ficando sem qualquer profundidade, as pessoas andam ocupados demais com si mesmas, fazendo que não reste espaço pra mais ninguém em suas vidas, assim a chance de ser feliz se esvai. Embora histórias de romances virtuais existiam as pencas, talvez sejam apenas fruto de mentes fantasiosas que compartilham ilusões – do País das Maravilhas, Alice mandou um salve.
Após dar uma boa stalkeada no perfil de Emie – como ele preferiu chamá-la – Red enviou solicitação de amizade, daí foi observar a galera e viu os garotos na maior empolgação por Emie, ainda mais porque ela parecia ser bem atenciosa. Esse fator, somado aos outros atributos, o fizeram concluir que a garota só fazia isso pra se sentir desejada – algo fácil de conseguir com a aparência e dada a atenção dispensada por ela.
Era bem provável dela estar apenas brincando com os bobões apaixonados, teorizar isso só o fez perceber que precisava mesmo estudá-la melhor. Não podia ser normal, uma garota daquelas, ser tão carinhosa com caras que tinha acabado de conhecer, alguma coisa devia estar errada, aquela meiguice, meio piegas, soava dissonante.
Por volta das oito, como não tinha mais turma, ele e Zie costumavam organizar os relatórios até a escola fechar, lá pelas nove, foi quando Red pegou o celular e viu que Emie o havia aceitado – como o smartphone vivia no silencioso não deu pra perceber que ela fez isso quase instantaneamente após ele enviar a solicitação de amizade.
Red não tirava o celular do silencioso porque detestava ser incomodado, ainda mais por notificação de rede social – por isso desinstalou o app da rede mais utilizada – mesmo vivendo com o modo avião ativado, preferindo ficar desconectado, como era early adopter tinha perfil em diversas redes – o que fazia a aversão por parecer contraditória.
— Oi. – Vendo que Emie estava online, ele puxou conversa.
#proximoepisodio
Que a geral começou adicionar Emie isso não é novidade, mas o que foi que realmente aconteceu pra mexer tanto com Zack pra ele sair fazendo maior propaganda da garota a ponto dos garotos se interessarem por ela também?
Red conseguiu adicionar a famosinha que estava todo mundo pagando madeirinha, apesar das conclusões que chegou – após analisar o perfil dela, além de ver como tratava os garotos – ele vai ter a chance de descobrir a verdade por si mesmo. Será que ele acertou ou, finalmente, conseguiu errar?
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.