Em friagem se transformaram os dias,
Um em intensidade maior que o outro,
O amanhecer não quer mais despertar,
Desde que a distância te mudou daqui.
Em tons de sombra o dia se apresenta,
Vestido de madrugada, ele dá as caras.
Onde está o Sol, que o brilho é escuro?
A resposta vem rasgada pela ventania,
Que dilacera a pele, alva como a neve.
Sem o calor que vinha de teus braços,
As flores se ocultam aos passos meus,
Não desprendem mais perfume algum,
Porque a fragrância era roubada de ti.
Pela margem do caminho que sigo eu
Tento não ser engolido pela cerração,
Mas a escuridão ainda mais aumenta;
Difícil é manter os passos sem você.
Desde que te fostes, o Sol se apartou,
Sem o calor do astro congela os dias,
Tudo esfria distante de suas chamas,
Não há primavera, nem mesmo verão.
Apenas outono, onde folhas tombam,
Fazendo murchar a beleza das árvores
Que cai com qualquer sopro do vento,
Algo intensificado quando você se foi.
Tua ausência torna tudo em escuridão,
Destituído me foi do coração o brilho,
Entre espessas trevas estou a caminhar,
Não sei se em lama ou mar me acho.
A real é que as direções se perderam,
O rumo se foi, sem ter como retornar;
Não existe volta, se quer há uma placa
Que possa indicar a posição que estás.
Desde que você se foi, tudo veio faltar:
A luz, o calor, a alegria, e a fragrância,
Nem mesmo a felicidade se ouve mais.
Os pássaros emudeceram seu canto,
Não há mais quem os possa inspirar;
Desde que você se foi, findou gorjeio,
Somente o corvo insiste em grasnar,
Arrepiando os pelos de quem ouvir.
O pior do que já não se pode achar
Nem é o colorido das flores e do céu,
A doçura que amargou também não,
Mas tua ausência que tudo embotou.
Se antes havia prazer no nascer do dia,
Varando a noite só pra vê-lo acordar,
Pela noite seguia a caçar vaga-lumes,
Enquanto o frio esquentava de calor.
Agora, em divergentes tons de cinza,
A lua que no céu permanece pregada,
Colore o que o olhar consegue tocar;
Até que a escuridão engula toda luz.
Mas experimentas retornar e vais ver,
O tempo voltar a se mover em sorriso,
Num abraço que aconchega toda luz.
Com flores a desabrochar nas orelhas,
Enches a trilha de pétalas e perfumes,
Que aos teus pés se lançam devoção,
Porque você é razão dos dias amenos;
Daquele colorido ao nascer e pôr-do-sol.
Volta trazendo o que sua ausência furtou.
Me arranca as escamas que impedem ver,
Me faz outra vez enxergar a beleza de ter,
Enchendo os olhos de cor, a vida de amor.
Com desejos que entrelaçam em felicidade,
Numa vontade que não enxerga intervalo,
Pra desfrutar do calor de tua permanência.
#papolivre
É fato que ao amar passamos a ver tudo com outros olhos – como explica o artigo “Não faça como Romeu e Julieta“. Mais sensíveis às sensações, passamos a perceber beleza onde antes não havia nada de mais, ou apenas o que desagradava a visão – algo que os roteiristas de “O amor é cego” (“Shallow Hal”, de 2001) levam pra outro nível, com uma interpretação literal que torna tudo mais engraçado. Mas, e quando o ser amado se vai, como a gente fica?
As coisas parecem perder sentido, pois o objeto que causava as sensações que davam novas cores e graça a tudo já não está ali, assim, aos poucos toda a beleza pintada pela paixão começa a murchar e a desaparecer.
Ainda que não seja fácil vencer a vontade de ter novamente a pessoa amada, é importante lembrar que mesmo sem o colírio que permitiu os olhos enxergar melhor, a visão permanece; por isso é melhor não remediar com solução paliativa – tentando encontrar outra pessoa, como destaca o artigo “Amores descartáveis não se reciclam” – o essencial é ajustar o foco pra ver a beleza oculta no que nos cerca.
Quem sabe assim, não encontramos alguém que valha a pena, o tempo e o custo de ocupar uma boa parte da vida e do coração – mais que encher os olhos de beleza espalhando prazer pela mente, pele e músculos, o que a gente precisa é de um amor que preencha de sentido e intencionalidade a vida todos os dias. Aquele motivo que nos faça querer ficar só mais um pouquinho, enquanto o tempo se desfaz no descompasso do relógio.
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.