Quando pela morte decidi
Foi que descortinei a vida
Ainda não experimentada.
Liberto de minha vontade,
Corro sem amarras pra Ti.
Quando pela morte decidi
Achei a beleza da manhã
Onde cores geram aliança,
Testemunhando verdade
Que jamais vai ter um fim.
Quando pela morte decidi
Vi que a luz segue a brilhar,
Basta direcionar os olhos.
Sombras não atemorizam,
Tão pouco podem cegar.
Quando pela morte decidi
Experimentei a liberdade,
Que jamais poderia existir
Se não fosse pela entrega
A me conduzir ao funeral.
Quando pela morte decidi
No firmamento notei areia.
Na tempestade e tormenta
Vejo um caminho a se abrir,
Por onde pairam os passos.
Quando pela morte decidi
Pude alcançar equilíbrio,
Os pedaços se juntaram.
Moldado por fortes mãos,
Vim e me tornar completo.
Quando pela morte decidi
Deixei de temer a morte,
Parei de andar perdido,
Reavi o que não possuía,
E recebi prêmio imerecido.
Quando pela morte decidi
Vi que uma palavra altera
E, ainda que não haja, cria.
O invisível adquire parecer,
Frutifica o que se plantou.
Quando pela morte decidi
Descobri o que é renovo,
Ao ressoar de águas vivas,
Nos ramos se intensifica,
Em folhas, floresce a vida.
Quando pela morte decidi
Exalei perfume agradável,
Olor a espalhar suavidade,
Torna conhecida fragrância
Que em essência é singular.
Quando pela morte decidi
Descobri estreito caminho,
Onde passos andam certos,
Conduzindo ao triunfo final,
Pela glória que vai se revelar.
Quando pela morte decidi
Experimentei calma que o
Entendimento desconhece,
Que dissipa toda confusão,
Trazendo segurança e paz.
Quando pela morte decidi
Senti prazer nos espinhos,
O sofrimento transmutou,
Se desfazendo em alegria
Virou motivo de canções.
Quando pela morte decidi
Perdi o medo da escuridão.
Nas trevas da madrugada
Brilha claridade da manhã;
Se foi sono, escolho vigiar.
Quando pela morte decidi
Aprendi o senso de ganho,
Onde perdas resultam em
Algo de peso ainda maior,
Em um fardo leve e suave.
Quando pela morte decidi
Dissipei receio da entrega,
Apreendi: o amor é prática,
É braços abertos, é apalpar
Com a alma, a eternidade.
Só quando morrer decidi
Nasci uma nova criatura,
Sem vontades e desejos,
Sem chances pros erros,
Alguém livre do que sou.
#papolivre
Segundo a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, liberdade é um privilégio adquirido com o nascimento. Crescendo entre opções, das quais aprendemos a selecionar as melhores, seguimos entre “ou isto, ou aquilo“, até alcançar o livre-arbítrio, cujo entendimento dá o poder de fazer nossas próprias escolhas. Porém, com esse poder vem a responsabilidade que nos é atribuída [Lucas 12.48], mesmo as escolhas sendo boas, como destaca a “Terceira Lei de Newton“: toda ação resulta numa reação; assim, cada decisão traz consequências que nos faz colher seus frutos [Gálatas 6.7].
Liberdade não consiste no poder de cada um escolher apenas o melhor pra si. A própria declaração que nos dota de liberdade, destaca que nossa capacidade mental deve ser usada pra pensar nos demais – até porque usar o intelecto é um direito natural do ser humano. Porém, esperar que um ser decaído seja autossuficiente pra avaliar a maior quantia de felicidade pro máximo de pessoas, pode resultar no prejuízo ou dano do outro, a medida que esse prazer se estende, ou em interações acontecendo por utilidade ou interesse. Algo que pode dar ruim feio como mostra o livro “O Senhor das Moscas” (“Lord of the Flies“, de 1954), escrito por William Golding – história reinterpretada na série “The Society” (“Sociedade”, em livre pt-BR, de 2019), porque a gente não sabe como ser feliz.
Menos ainda dá pra deixar o coração guiar nossas escolhas, já que sua perversidade é tamanha que nem é possível medir seu nível de maldade, assim ele acaba levando ao engano [Jeremias 17.9]. Além de nos tornar escravos dos desejos – ao ceder aos seus apelos [Gênesis 4.7] – resultando no hedonismo, ou seja, uma busca insaciável por tudo aquilo que estimula o prazer.
Segundo a sabedoria pop “todos os caminhos levam a Roma”, porém, o mesmo não acontece quando se trata de escolher o melhor [Provérbios 14.12] – que só pode ser encontrado em uma direção [João 14.6]. Ainda que tudo nos seja permitido, nem tudo convém – por isso não devemos deixar as escolhas nos controlar [1 Coríntios 6.12]. Esse excesso de opções não traz liberdade ou bem-estar, só serve pra fazer a mente entrar em parafuso, causando tédio e ansiedade, como explica Barry Schwartz no livro “O Paradoxo da Escolha” (“The Paradox of Choice“, de 2004) – algo que impacta até nos relacionamentos, conforme destaca o artigo “Amores descartáveis não se reciclam“.
Por essas e por outras – que nos deixam inseguros se fizemos ou não a escolha certa, levando a frustração – é preciso que nossa escolha inicie pela busca de evoluir a mente, sem deixar que padrões deformados distorçam a forma que somos através da ilusão vendida como liberdade – algo retratado no poema “A ilusão que acreditei ser liberdade” – só assim é possível causar o impacto que transforma e traz o verdadeiro prazer [Romanos 12.2].
Pra existir esse equilíbrio mental, Jesus alerta que nossa escolha deve mirar primeiro na busca pela sociedade celeste e a aplicação de sua justiça, assim nossas necessidades básicas serão supridas [Mateus 6.33]. Por isso, o melhor é renunciar ao livre-arbítrio, com seus prazeres e vontades – algo necessário até mesmo pra começar a caminhar [Mateus 16.24, Marcos 8.34 e Lucas 9.23]. Até porque tentar preservar nossa vida e obter vantagem pode resultar em perda quando nossas ações forem pesadas [Mateus 16.25-27, Marcos 8.35-37, Lucas 9.24-25], por isso deixar de buscar apenas o que é melhor pra gente é necessário pra haver paz, justiça e democracia, fazendo a sociedade florescer.
Fazer isso não significa se tornar robô – um ser destituído de personalidade – mas saber o que é melhor pra nós, pois, apesar da liberdade possibilitada por nossas escolhas, elas é que escravizam, nos tornando mesquinhos a ponto de prender ao ego – isso se não levar à algo pior [Tiago 1.14-15]. Assim, desistir do livre-arbítrio pode ser bom, já que nos faz livres do peso de nossa existência decaída, e da opressão dos desejos pra podermos escolher servir a quem vence [Hebreus 4.15-16] – como descreve o poema “A liberdade em me aprisionar“.
A liberdade só passa a existir quando a gente é capaz de rejeitar a fonte do prazer: nossa vontade, suportando as deficiências e a dor resultante disso. Ao decidir morrer, optando por usar a liberdade de escolha pra redução do ego [João 3.30], e não mais viver pelo que é conveniente ou prazeroso, passamos a experimentar a verdadeira vida [Gálatas 2.20].
Ósculos e amplexos,
Autor de Interrompido – A curva no vale da sombra da morte, é um cara apaixonado total por música, se deixar não faz nada sem uma boa trilha sonora. Bota em suas histórias um pouco de seus amores e do que sua visão inversível o permite enxergar da vida.